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O Gênero de Fantasia no RPG

Entendendo um pouco mais sobre os diferentes gêneros de fantasia no RPG.


Por: Mantsor | 23/11/2020

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Coleção Tormenta RPG

Sempre que falamos de RPG, o primeiro gênero que vem a mente das pessoas é a fantasia medieval ou simplesmente fantasia. Não por acaso, esse é o gênero dominante do primeiro e mais famoso RPG de todos os tempos, o nosso querido D&D. Mas o que é que significa exatamente esse gênero? Qual a sua origem? Quais suas características? Existem variações? Essas e outras perguntas vamos procurar responder aqui hoje, com um foco no RPG, ainda que a fantasia permeie diversas outras mídias, tais como o cinema, a literatura e os quadrinhos.

Ficção fantástica: da sua origem aos dias de hoje

A fantasia é na verdade um gênero do que chamamos ficção especulativa. Por conta disso, ela também é chamada de ficção fantástica.  Ficção especulativa é qualquer história que se passa em um universo inventado, que possui características distintas do mundo real. O que difere a ficção fantástica da ficção científica é a explicação por detrás dos elementos diferentes daquilo que conhecemos. Enquanto na ficção científica temos temas como super-tecnologia, viagens espaciais, alienígenas e utopias futuristas, a fantasia é baseada em temas sobrenaturais que costumam envolver magia, monstros e elementos comumente inspirados nas nossas mitologias e folclores.

Embora a fantasia possa se inspirar em qualquer tipo de mitologia ou cultura real, geralmente associamos os jogos de RPG à chamada “fantasia medieval”, que tem esse nome justamente por ser baseada na Europa Medieval, onde temos cavaleiros, castelos, mosteiros, florestas sombrias e senhores feudais mesclados com elementos marcantes das mitologias célticas e nórdicas, tais como os elfos, anões, duendes, bruxas, anéis mágicos, trolls, goblins, dragões, etc.

 

Conan, um clássico da literatura

Conan, um clássico da literatura. | Fonte: Pinterest

A fantasia moderna, que inspirou jogos como o D&D, certamente deve muito às obras de escritores como J. R. R. Tolkien (Senhor dos Anéis), Robert E. Howard (Conan), Fritz Leiber (Lankhmar), Michael Moorcock (Elric de Melniboné) e Robert Jordan (A Roda do Tempo).

Porém, a origem desse gênero é muito mais antiga e remonta à obras clássicas da literatura, tais como As Mil e Uma Noites, Beowulf, Sir Gawain e o Cavaleiro Verde, passando por histórias mais “infantis” como Alice no País das Maravilhas, Peter Pan e as Crônicas de Nárnia. Por muito tempo, inclusive, as histórias de fantasia foram rotuladas como literatura infanto-juvenil. Embora algumas séries literárias atuais famosas, como Harry Potter (J. K. Rowling) e Percy Jackson (Rick Riordan) façam jus a esse rótulo, é inegável que histórias como as Crônicas de Gelo e Fogo (George R. R. Martin) e The Witcher (Andrzej Sapkowski) resgataram os aspectos mais sérios e dramáticos do gênero de fantasia, como não se via a muito tempo.

Atualmente a fantasia pode ser dividida em diversos temas ou sub-gêneros, nem sempre com diferenças bem claras. Veremos a seguir alguns dos tipos mais conhecidos e que possuem maior influência nos jogos de RPG.

Alta Fantasia, Fantasia Heróica e Fantasia Épica

Na chamada “alta fantasia” a magia e as criaturas fantásticas são elementos predominantes, que moldam o cenário fantástico. Isso não necessariamente significa que magos, feiticeiros, bruxos e outros usuários de magia são comuns. Um bom exemplo é a Terra Média do Senhor dos Anéis – magos e o uso da magia são extremamente raros, ainda assim o cenário em si e as histórias que nele se desenvolvem dependem de objetos mágicos e conceitos místicos, como fica claro com a Guerra do Anel, que envolve os anéis de poder, os espectros do anel (Nazgûl) e uma misteriosa entidade de poder quase divino (Sauron). A maior parte dos cenários de D&D aborda esse estilo, como é o caso de Forgotten Realms, o cenário oficial da quinta edição.

Saga Dragonlance

Saga Dragonlance, se você não leu, não sabe o que está perdendo. | Fonte: Jambô Editora

Esse tipo de fantasia possui algumas variações comuns, como a fantasia heróica e a fantasia épica, que se confundem em alguns aspectos. Na fantasia heróica os protagonistas são poderosos, extremamente hábeis ou simplesmente muito sortudos, desempenhando papéis importantes na história de seu mundo, enfrentando inimigos lendários e fazendo parte de sagas que serão lembradas por muito tempo. Um cenário de D&D que exemplifica bem esse tipo é Dragonlance e os heróis da Lança, que moldaram a história do mundo de Krynn.

Já na fantasia épica os protagonistas não necessariamente tomam parte em feitos fabulosos, mas presenciam acontecimentos de proporções épicas, como grandes guerras, cataclismos globais e intervenções divinas. Um bom exemplo aqui é cenário nacional de Tormenta 20, assolado por grandes guerras e pela infestação demoníaca da Tormenta.

Baixa Fantasia, Espada e Magia

Na baixa fantasia a magia é bem mais limitada e discreta, podendo ser até mesmo ausente. Criaturas fantásticas são extremamente raras e quando existem muitas vezes são seres míticos únicos, que só são encontrados em regiões distantes ou fazem parte de lendas. Cenários desse tipo geralmente são muito similares a Europa Medieval, onde  intrigas políticas, disputas territoriais e conflitos religiosos são os principais elementos que movem a história do mundo. Aqui os protagonistas geralmente são soldados, ladrões, nobres ou simples camponeses que estão apenas tentando sobreviver numa austera e implacável realidade.

O cenário mais conhecido que pode ser considerado baixa fantasia é o mundo das Crônicas de Gelo e Fogo, que deu origem a série Game of Thrones e possui inclusive um RPG próprio (Guerra dos Tronos RPG, da Editora Jambô). Nos primórdios do D&D, as histórias possuíam um certo “sabor” de baixa fantasia, pois itens mágicos eram extremamente raros, os magos eram bastante limitados comparados com as edições mais novas e a letalidade das aventuras podia ser bastante elevada. Apesar disso, o D&D nunca teve um cenário típico de baixa fantasia.

Game of Thrones

Tá aí um seriado que marcou época e deixou saudade. | Fonte: HBO

Uma variação da baixa fantasia é o gênero de “Espada e Magia” ou “Espada e Feitiçaria”, que marcou a literatura pulp dos anos 20 e 30. Aqui a magia até pode ser bastante presente, mas geralmente é algo proibido ou perigoso, sendo comum que usuários de magia sejam os vilões (por exemplo, o feiticeiro Toth-amon é um dos inimigos recorrentes nas histórias de Conan). Os protagonistas geralmente são guerreiros, ladrões ou piratas, que lutam bravamente, desbravando territórios selvagens, buscando tesouros em ruínas esquecidas ou ainda se esgueirando pelo submundo de cidades decadentes.

Os melhores exemplos desse tipo de aventuras podem ser encontrados na Era Hiboriana de Robert E. Howard (tratada no RPG “Conan: Adventures in an Age Undreamed Of”, cuja tradução está em financiamento coletivo pela New Order) e no cenário de Lankhmar, de Fritz Leiber (já foi um cenário de AD&D e hoje conta com uma adaptação para Savage Worlds, disponibilizado em português pela RetroPunk).

Fantasia Sombria e Fantasia Estranha

Quando o gênero de horror encontra a fantasia o resultado é a fantasia sombria. Nesse tipo de fantasia encontramos todos os elementos tradicionais (monstros, magia, masmorras, etc), porém o clima das histórias é mais pesado, sendo comuns sentimentos de medo, desolação, abandono e opressão. O tipo de horror mais comumente associada à fantasia é o horror gótico, onde criaturas como demônios, vampiros, lobisomens e zumbis representam uma ameaça significativa para os personagens. O combate direto dificilmente é uma opção, pois os seus inimigos sempre estarão em maior número ou serão mais poderosos.

Muitos autores reconhecidamente de horror flertam com a fantasia em algumas de suas histórias, tais como Edgar Alan Poe (A Máscara da Morte Rubra), H. P. Lovecraft (o ciclo das Dreamlands), Clark Ashton Smith (o ciclo da Hyperborea) e Stephen King (A Torre Negra). Um escritor atual que tem feito bastante sucesso com a fantasia sombria é Mark Lawrence, com sua Trilogia dos Espinhos.

No RPG o cenário mais famoso de fantasia sombria certamente é Ravenloft, que nasceu como uma aventura de horror gótico para AD&D e se popularizou tanto que foi relançado em diversas edições de D&D, além de ter sido expandido como um cenário completo no suplemento Domínios do Medo. Existem também jogos dedicados exclusivamente a esse sub-gênero, tais como Shadow of the Demon Lord (Editora Pensamento Coletivo) e Accursed (baseado em Savage Worlds e trazido em português pela RetroPunk).

Existe também uma variação deste tema, que é a fantasia estranha. A fantasia estranha tem esse nome por fugir completamente dos estereótipos de fantasia, que são quase sempre inspirados em algum tipo de mitologia. A fantasia estranha possui sempre alguma quebra de paradigma, fazendo com que o leitor / jogador seja surpreendido com um evento inesperado, arquitetura bizarra ou criatura indescritível, que provoca a sensação de estranhamento, de algo fora do lugar, ou até mesmo alienígena.

Lamentations of the Flame Princess

Lamentations of the Flame Princess, o novo favorito do UniversoRPG. | Fonte: lotfp.com

Alguns exemplos são o protagonista improvável das histórias de Michael Moorcock (Elric é um mago / espadachim albino de uma raça quase extinta – os melniboneanos), muitas das criaturas encontradas por Conan em suas aventuras (que são claramente inspiradas pelo horror cósmico de Lovecraft) e a cidade multiplanar de Sigil, que possui o formato de um toróide flutuando sobre uma montanha de altura infinita (o ponto de partida do cenário de Planescape, lançado para AD&D).

Além dos RPGs de Conan (já citado anteriormente), de Elric (o mais recente é Elric de Melniboné, da Mongoose Publishing, sem versão em português) e do cenário Planescape, temos alguns outros títulos focados na fantasia estranha, como Lamentations of the Flame Princess (sem versão em português) e Numenera (Editora New Order). O primeiro é baseado nas regras do D&D antigo e possui uma temática pesada e perturbadora. Já o segundo extrapola a ficção científica para o lado místico, quando a ciência é tão avançada que se confunde com a magia.

Fantasia científica

Como acabamos de ver, Numenera é um cenário de ficção científica que está mais próximo da fantasia, dada a impossibilidade dos personagens compreenderem exatamente como funcionam os dispositivos nesse cenário. Mas temos também casos onde os elementos da fantasia “invadem” a ficção científica, coexistindo lado a lado, numa espécie de crossover.

Um exemplo clássico é Star Wars, onde temos blasters e naves espaciais ao lado dos poderes místicos da Força, dominada pelos Jedis e Siths. O jogo Destiny também combina armas e armaduras futuristas com a Luz e a Treva, que são princípios mais metafísicos do que científicos.

No mundo dos RPGs propriamente ditos, temos o clássico Shadowrun (Editora New Order), também considerado “fantasia urbana”, por trazer elementos típicos da fantasia (orcs, dragões, magos) para um cenário cyberpunk. Outro exemplo é o cenário de Spelljammer (lançado para o AD&D), que levava a temática de fantasia para o espaço.

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Robertson “Mantsor” Schitcoski

Robertson “Mantsor” é engenheiro de computação e mora em Brasília. Ingressou no mundo do RPG mestrando todo tipo de cenário em GURPS, que é o seu sistema de estimação. Hoje prefere Chamado de Cthulhu, que já lhe rendeu algumas das melhores experiências com o hobbie.