Além do Estereótipo – Bardos
Dicas para você construir o seu Bardo/Barda diferente, seja no conceito ou no estilo.
Por: Ghost | 29/03/2023
Salve, salve, aventureiros!
Seguindo a nossa série de posts Além do Estereótipo, iniciada com um post sobre Bárbaros e que você pode conferir aqui, vamos dar uma olhada nos Bardos. Não são exatamente a classe mais popular de D&D (ou similares), mas a classe tem despertado a atenção de muitos jogadores (principalmente os mais novos) devido ao personagem Jaskier/Dandelion, da série The Witcher, disponível na Netflix.
Além disso, Bardos tem um estereótipo muito comum em mesas de RPG e nos grupos de Facebook sobre o nosso hobby: o Bardo sedutor.
Sim, com certeza você já viu isso por aí. Lendas sobre o Bardo do grupo seduzindo o dragão (e qualquer um ou qualquer coisa que interaja com o grupo) e coisas assim.
O Bardo é muito mais do que um tocador de instrumentos também. Um Bardo pode acompanhar uma companhia de teatro, ser um contador de histórias, o “bobo da corte”, um conselheiro da realeza (e/ou um conspirador infiltrado).
Deixando claro que cada um joga da maneira que preferir, mas aqui no UniversoRPG estamos sempre buscando (e mostrando) opções que vão além do óbvio para que você fuja do feijão-com-arroz em suas sessões e surpreenda o mestre (ou os jogadores) com personagens únicos.
Vejamos um pouco do Bardo ao longo das edições de D&D.
D&D
A primeira aparição do bardo como classe de personagem em D&D foi ainda na primeira edição do jogo, como classe opcional, em uma edição da revista The Strategic Review (na verdade pouco mais que um fanzine), uma publicação mensal da finada TSR (para quem não sabe, a editora original de D&D) que seria sucedida pela clássica revista Dragon.
Nessa primeira aparição, ainda em fevereiro de 1976, o Bardo já era considerado um “Jack of all trades” (ou “Pau para toda obra” em uma tradução para lá de livre), e já tinha seus poderes básicos, inclusive o de Encantar Pessoas, que culminou com a atual fama da classe de seduzir até estátuas de pedra.
Uma coisa muito legal nessas edições mais antigas de D&D é que os personagens tinham títulos conforme sua classe e nível. O Bardo de nível 1, por exemplo, era chamado de Rhymer (Rimador), enquanto o de nível 10 era chamado de Lore Master (Mestre do Conhecimento). Obviamente o uso não era obrigatório, mas era uma maneira interessante de um personagem se apresentar e dar indício do quão experiente ou poderoso ele era sem recorrer a números que só fazem sentido em off-game (fica esse dica para você implementar em sua mesa de jogo).
AD&D 1ª Edição
Na primeira edição de Advanced Dungeons & Dragons o Bardo também não estava entre as classes básicas, mas era possível tornar-se um através do cumprimento de complicados pré-requisitos: evoluir alguns níveis como Guerreiro, depois alguns como Ladino e, finalmente, como Clérigo (sob tutela de um druida. Sim, era bem maluco).
Essa versão do Bardo era bem pouco parecida com o clássico menestrel que vemos em outras edições do jogo, e se aproximava muito mais de um sábio “selvagem”, quase um druida detentor de conhecimento mágico e ancestral. Definitivamente um ponto fora da curva na evolução da classe.
AD&D 2ª Edição
Na provavelmente versão mais clássica do RPG criado por Arneson e Gygax, o Bardo já aparecia entre as classes básicas e se tratava de um personagem bastante versátil. Alguma competência em combate, algumas habilidades de Ladino e acesso limitado a magias arcanas (além da habilidade de Encantar Pessoas). Uma escolha estrategicamente interessante em grupos com poucos personagens, de forma a ter acesso a um rol maior de habilidades. Inclusive a capacidade de identificar itens mágicos era, por vezes, muito útil.
O maior problema aqui eram os elevados pré-requisitos de classe, Des 12+, Int 12+ e Car 15+, em uma época na qual dificilmente um jogador “desperdiçaria” um alto valor de habilidade em Carisma.
D&D 3/3.5 e posteriores
A partir das 3ª edição de D&D o Bardo consolidou a posição como classe versátil, com algumas habilidades de Ladino, mas mais focada em interações sociais (mais uma pedra que ajudou a construir a fama de seduzir até uma árvore…). O Bardo se diferencia cada vez mais de um tipo de “ladrão” e oferece recursos bem interessantes nas mãos de bons jogadores e mestres, muito além clássico do Bardo da taverna, que cantava sobre lendas que faziam os heróis irem em busca de aventuras.
Habilidades sociais e versatilidade
O foco do Bardo em habilidades sociais o torna uma classe muito mais interessante em aventuras urbanas e repletas de intriga e mistério do que em um Dungeon Crawling clássico. Aqui cabe uma observação, o Dungeon Crawling pode ser um excelente incentivo ao bardo estereotipado e caricato mencionado lá em cima, já que nessa situação, suas habilidades de sedução poderão ter pouca (ou quase nenhuma) utilidade.
Ainda sobre as habilidades sociais, elas permitem ao personagem manipular NPCs (não somente através de magia), obter informações (seja no submundo, seja fazendo uma verdadeira engenharia social).
Identificar itens mágicos agora é uma magia (em edições anteriores chegou a ser uma habilidade especial), e sua utilidade é um pouco menor na 5ª edição (já que quem faz sintonia com o item mágico consegue deduzir suas propriedades), mas ainda assim pode acelerar um pouco as coisas nessa hora.
O Bardo também pode agir como um conselheiro do grupo. Aliás, sabe o estereótipo do “sábio da aldeia”? Na edição 3/3.5 havia a classe “Especialista”, que servia bem a esse propósito. Já na 5ª edição não temos algo parecido, de forma que o Bardo se mostra mais adequado.
Esse conhecimento amplo também coloca a classe como um explorador/estudioso perfeito. Que tal um equivalente a “arqueólogo” na mesa de D&D? Alguém buscando conhecimento de civilizações antigas e perdidas? Tendemos a pensar nisso como um mago mas, de novo, o Bardo se mostra mais adequado a esse papel, pois o foco do estudo de magia é bem diferente. Talvez esse sábio seja um bardo já aposentado de aventuras, que viu muita coisa, e agora quer sossegar (um pouco de mau humor pode ser um tempero interessante).
E o Bardo espião? Com seu acesso a magias se torna um espião muito mais interessante e eficaz do que um Ladino seria. Obtendo informações na corte de um reino rival/inimigo, disfarçado. E frisando que na vida real espiões são muito diferentes de James Bond. Sua rotina é discreta, e procuram passar tão despercebidos quanto possível (em tempo: uma das minhas histórias de espionagem reais preferidas é a do espião disfarçado de técnico da Xerox. Ia uma vez por semana na embaixada fazer a manutenção da máquina e trocar o filme da câmera oculta que fotografava TODOS os documentos fotocopiados….).
Também não há necessidade de o personagem ser um especialista em música. Que tal um Bardo poeta? E quer adicionar uma camada de exclusividade a mais? Faça-o surdo (converse com o mestre sobre as implicações e possíveis compensações. Saber ler lábios pode ser uma habilidade muito útil….).
E o trabalho com as diferentes raças disponíveis? É muito raro ver um Bardo que não seja humano, elfo ou meio-elfo, mas música é algo universal. Todas as civilizações na nossa história desenvolveram música de alguma forma. E antes mesmo de termos civilização propriamente dita, hominídeos primitivos faziam flautas (igualmente primitivas) com ossos de animais. Que tal um meio-orc especialista em tambores de guerra? Ou um anão Bardo que usa kilt e é extremamente orgulhoso de seu clã? Já temos um colorido a mais.
E mesmo fazendo o Bardo clássico, que toca habilmente seu alaúde para inspirar os companheiros em batalha, você pode trabalhar a aparência do personagem, afastando-o das roupas espalhafatosas e chapéu com penacho. Que tal uma armadura negra, um alaúde invocado ou alguns efeitos especiais?
No fim das contas o Bardo é uma classe bastante versátil e com excelente potencial de diversão especialmente em mesas voltadas mais para a interpretação. Nas mãos de um jogador empolgado a mesa vai se lembrar do Bardo durante anos. Novamente, ninguém vai te impedir de fazer o Bardo sedutor, mas se você acha que essa é a única opção para a classe, pode estar perdendo bastante diversão.
Bardos não óbvios na fantasia e ficção
Separei uma pequena lista para que você possa ver (ou rever) certos personagens sob outra ótica.
Língua-de-Cobra (O Senhor dos Anéis)
Sim, seria a classe mais adequada para uma adaptação desse personagem para D&D. Está tudo lá, inclusive: acesso limitado a magias, habilidades sociais para manipulação.
Elrond (O Senhor dos Anéis)
Por algum motivo poucos associam Elrond a um Bardo, mesmo ele sendo provavelmente o mais próximo do Bardo clássico presente nessa lista. Enorme conhecimento geral? Sim. Acesso a magia? Também. Alguma habilidade em combate? Pode apostar. Elrond certamente seria um Bardo voltado ao conhecimento.
Tyrion Lannister (Game of Thrones)
“Eu bebo e sei coisas”. Conhecimento geral é uma das bases da classe, e Tyrion tinha de sobra. Aliás, sua capacidade de manipulação beirava o ridículo, tendo conseguido coroar o Rei com aqueles argumentos estapafúrdios do último episódio.
O Charada (trocentos quadrinhos do Batman)
Sim. Um dos inimigos do homem-morcego, e que tenta sempre desafiá-lo intelectualmente ao invés de entrar em combate direto, pode perfeitamente se enquadrar na classe Bardo. Uma adaptação dele para D&D, por sinal, não seria mecanicamente difícil, mas exigiria bastante do mestre ao elaborar os Enigmas (se não houverem fãs assíduos do Batman na mesa, você pode surrupiar um ou outro enigma diretamente dos quadrinhos).
O Rei dos Goblins (Labirinto: A Magia do Tempo)
Brilhantemente interpretado por David Bowie nesse clássico dos anos 80 (que também foi o filme de estreia da belíssima Jennifer Connely) é um excelente exemplo de Bardo com tendência não usual (provavelmente maligno e neutro ou maligno e ordeiro), com habilidades de canto, dança e prestidigitação, além do acesso a magia e altíssimo carisma (se bem que até um saco de batatas, se interpretado por David Bowie, seria carismático). O filme é bem datado, principalmente em efeitos visuais, mas fica a dica para assistir.
El Mariachi (Trilogia Mariachi)
Não entra exatamente como um Bardo não óbvio, mas foge um tanto do estereótipo. Carregando um porta-violão cujo conteúdo não é um violão. Sabe utilizar diversas armas e sim, tem aquela pegada sedutora (olhos do autor revirando nesse momento).
Star Lord/Senhor das Estrelas (Marvel)
E não é que até no MCU temos um Bardo? Sim, sabemos que o Senhor das Estrelas existia nos quadrinhos muito antes de fazer sucesso ao som da mixtape Awesome Mix Vol. 1, mas foi depois do filme que o personagem alcançou enorme popularidade. Peter Quill não sabe tocar nenhum instrumento, mas sabe dançar. E uma de suas habilidades é o Conhecimento Universal (amplo conhecimento sobre as mais variadas sociedades alienígenas). Além disso sabe atirar bem, pilotar bem, e se vira em combate corpo-a-corpo. Definitivamente, um Bardo.
Personagem Pronto
E pra fechar com chave de ouro, depois de todo esse discurso sobre fugir do estereotipo, fiquem com dois personagens criados com as dicas deste artigo, prontinhos para usar na sua sessão. Eles foram feitos pensando na ambientação de Averum, mas podem ser usados em qualquer cenário de D&D.
Lerissa, a barda das sombras
Lerissa, nossa Barda do Colégio dos Sussurros (3lvl). Lerissa é uma tiferina filha de pai tiferino e mãe diaba. Para sua construção, usamos o suplemento Guia de Xanathar sobre todas as Coisas, mostrando como podemos aproveitar as novas opções disponíveis em suplementos.
Brottor Weisegeist, o sábio local da vila
Brottor Weisegeist, bardo Anão já aposentado de aventuras. Brottor foi construído usando apenas o Livro do Jogador, mostrando que sim, é possível fugir do estereótipo apenas com os materiais básicos.
Henrik “Ghost” Chaves
Henrik “Ghost” Chaves é fã de D&D (mas acha que a edição 3.5 foi a melhor de todas) e de tudo relacionado aos Mitos de Cthulhu. Música (rock), literatura (fantástica), cinema (pipoca) e boardgames (modernos) estão entre seus outros hobbies.