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Baú do Mestre | Dicas

A melhor forma de utilizar aventuras prontas

Como fazer um bom uso de aventuras prontas, evitando clichês e extraindo o máximo potencial delas.


Por: Ghost | 21/03/2019

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Superando o Bloqueio Criativo no RPG

Salve, salve, aventureiros!

Recentemente escrevi um post sobre como fazer suas próprias aventuras e, ainda mais recentemente, tivemos um sobre improvisação na mesa de jogo.

Mais ou menos na mesma linha editorial, hoje vamos dar umas dicas bem legais sobre como utilizar aventuras prontas na sua mesa.

O que são aventuras-prontas?

Caso você tenha caído de para-quedas, ou tenha começado a jogar RPG ontem à noite, aventuras prontas são aventuras, histórias ou cenários prontos para serem usados e que supostamente (já, já vamos entender esse “supostamente”) dão pouco trabalho para o mestre; uma vez que já tem a história, gancho, NPCs, etc. Inclusive já falamos de algumas delas aqui, aqui, e nesse post aqui também.

Mas, será que é tão simples?

A resposta para essa pergunta, assim como para tantas outras coisas na vida, é um sonoro “depende“.

Depende da qualidade da aventura, de quem escreveu, de como a história ou background é contato (quanto tem um, é claro), se as informações estão claras e fáceis de encontrar. Depende também do uso que será dado, já que você pode usá-la de forma isolada ou colocar como parte daquela campanha maior que você está mestrando.

Ou seja, poderia ficar aqui enumerando uma série de “depende disso ou daquilo”, mas vocês captaram a ideia. Então sem mais delongas, vamos ver algumas dicas e formas práticas de usar isso.

Método 1 – One-shot puro

Aventuras One Shot

Aventuras de terror são sempre boas pedidas para One Shots. | Fonte: Devianart

Essa é a forma mais simples de usar uma aventura pronta. Sem nenhuma relação com a sua campanha em curso, pode funcionar bem como uma pausa. Levando ao extremo, pode nem ser no mesmo sistema habitual (aliás, recentemente fiz uma pausa em uma campanha de D&D mestrando para o mesmo grupo um cenário pronto de Chamado de Cthulhu).

A grande vantagem é que o mestre pode se preocupar apenas com a aventura em si, sem grandes adaptações ou preocupações em vincular a uma campanha ou ao mundo utilizado.

Mesmo assim requer certos cuidados. E o primeiro deles (se não o mais importante) é:

LEIA A P*%&&A DA AVENTURA

Assim mesmo. Em caixa alta. Falo muito sério e por experiência própria. Já tentei mestrar uma aventura-pronta sem fazer a leitura prévia. Isso não dá certo. Não tem como dar. Você precisa ter uma boa noção da trama geral, dos NPCs, das armadilhas (se for o caso), das pistas, dos segredos… se você improvisar completamente a chance de estragar a sessão (ou, no mínimo, ficar muito aquém do desejado e esperado) é de quase 100%. Você quase certamente vai:

  • Dar spoilers da trama sem querer;
  • Colocar NPCs fora da hora;
  • Esquecer de apresentar algum NPC importante;
  • Deixar passar alguma pista ou acontecimento importante e ser ver obrigado a “rebobinar” parte da sessão (isso é MUITO chato).

Então, vamos lá e repita comigo: “Lerei TODA a aventura pronta antes de mestrar“.

Resolvido isso, ainda aconselho a preparar alguns esquemas de auxílio e procurar furos na aventura (acredite, eles frequentemente existirão).

Esquemas de Auxílio

Ferramenta online de mapa mental

Use (e abuse) de ferramentas online para te ajudar na organização das ideias. | Fonte: Realtimeboard

Sim, esquemas. Tente fazer uma linha do tempo dos acontecimentos da aventura (especialmente os que não dependem das ações dos jogadores). Pode fazer, também, uma lista de “gatilhos”, ou seja, ações dos jogadores que disparam certos eventos. A lista de gatilhos pode se tornar um fluxograma, com a devidas ramificações do que acontece se os jogadores tomam a decisão “A” ou “B”.

Um exemplo de evento que acontece ou não, a depender da atitude dos jogadores: o grupo está viajando junto com uma caravana comercial por uma estrada. A caravana se depara com um sujeito enterrado até o pescoço, apenas com a cabeça de fora. Na testa dele está escrito (Tatuado? Marcado a faca? Ou apenas com tinta?) a palavra “traidor”. Um exame de perto revelará que a pessoa está apenas desacordada (mas em breve estará morta de fome e/ou desidratação, e isso se não aparecer nenhum animal selvagem). O grupo pode ajudá-lo ou simplesmente passar reto. Ajudá-lo é o gatilho para um evento: a pessoa pode se revelar um aliado (ele tinha sido enterrado e deixado para morrer exatamente pela organização que os personagens estão perseguindo) ou um ladrão, conforme estiver descrito no texto (ou conforme a vontade do mestre).

Inconsistências ou lacunas

Pois é. Muitas aventuras publicadas, mesmo por editoras de renome, terão falhas, na forma de inconsistências ou lacunas. Inconsistências são itens conflitantes dentro da aventura. Lacunas são quando algum aspecto importante simplesmente não é trabalhado.

De novo, vamos a exemplos. No cenário de Chamado de Cthulhu que mestrei recentemente (vou omitir o nome e o livro de origem para limitar os spoilers e não prejudicar o jogo de alguém, mas afirmo que foi escrito por um dos principais autores da Chaosium, que é justamente famosa pela qualidade dos seus cenários prontos).

O cenário se passava em um hotel isolado no interiorzão do Canadá, e uma lacuna escancarada eram as rotas de acesso ao hotel. O cenário simplesmente não informava.

No mapa não tinha nenhuma representação de estradas. A primeira cena do cenário era já no hotel (sem uma introdução real). Como os personagens chegaram lá? De carro? Barco? Helicóptero? Na história o hotel estava abandonado há muitos anos, e o gancho era justamente reformar o hotel (convenientemente recebido como herança).

Precisei “criar” algumas estradas de acesso, com o cuidado de manter a cidade mais próxima a 6 horas de carro por uma estrada ruim e mal-sinalizada, contribuindo para o isolamento e deixando bem claro que sair do hotel para buscar suprimentos significaria dormir na cidade ou voltar dirigindo à noite. E funcionou lindamente, diga-se de passagem.

Nessa pegada é importante ler a aventura com olhos de jogador, pensando no que você faria, nas informações que você buscaria. Isso ajuda muito a perceber lacunas e corrigi-las.

Inconsistências são mais raras, mas de certa forma mais complicadas. Elas vem na forma, por exemplo, de um NPC que age de forma X em um momento e Y em outro sem nenhum motivo aparente (ou apenas para avançar a história). Perceber e corrigir isso é muito importante. Seus jogadores perceberão durante o jogo. Pode apostar.

Método 2 – One-shot fora da campanha, mas no mesmo mundo ou cenário.

Aventuras prontas de DnD

Uma excelente coletânea de aventuras interligadas. | Fonte: DnD Wizards

Esse é um método intermediário. Você está lá mestrando Hoard of the Dragon Queen, mas quer dar uma pausa e mestrar uma das aventuras de Tales of the Yawning Portal, para o mesmo grupo, mas usando personagens diferentes.

Antes de mais nada, tenha em mente que ABSOLUTAMENTE TODAS as dicas do item anterior se aplicam, e mais algumas.

Se você vai mestrar uma aventura no mesmo mundo e época em que está mestrando uma campanha para o mesmo grupo, ainda que com personagens diferentes, já é importante se preocupar com a coerência.

No exemplo citado, tanto “TotYP” como “HotDQ” se passam em Forgotten Realms, o que facilita um pouco. Mesmo assim se atente para certos detalhes: cuide para que um NPC morto na campanha não apareça para os personagens na one-shot. Cuide para que aquela vila destruída e/ou saqueada permaneça assim na one-shot. Caso contrário, prepare-se para ouvir coisas assim:

“Ei! Mas, Greenest não tinha sido destruída no ataque do Dragão Negro?”

“As notícias do avanço do Culto do Dragão não estão se espalhando? Jurava que sim.”

Você pode ir ainda mais longe, e colocar (com bastante cuidado) insights da campanha na aventura one-shot. Colocar aquele mago vermelho de Thay que sumiu ou um membro do Culto do Dragão na one-shot do exemplo acima (ainda que apenas como Easter Egg). Isso pode dar uma tremenda sensação de coerência para os jogadores e eles vão sentir que aquele mundo é real.

Método 3 – One-shot como pausa de campanha, mas com os mesmos personagens

Ok. Aqui temos o caso mais complicado de todos.

Você está mestrando aquela campanha caprichada de sua autoria, mas teve um bloqueio criativo ou simplesmente não teve tempo de planejar a próxima sessão, e o improviso iria além do que está disposto a aceitar.

Parece a oportunidade perfeita de usar aquela aventura-pronta bacanuda (que você já leu várias vezes e está 100% pronto para mestrar). Parece uma excelente ideia, e é mesmo! Mas requer certos cuidados.

Aqui a preocupação com a coerência precisa ser imensa. Especialmente se você está usando uma aventura-pronta de um mundo específico em outro, ou uma de um mundo genérico em um mundo específico, seja de sua criação, seja um Forgotten Realms da vida.

Primeiro ponto: veja a localização geográfica. Se o grupo está em deserto no meio do continente, a milhares de quilômetros da costa, não faz sentido nenhum que a one-shot se passe no mar (a menos que você tenha uma excelente desculpa para o deslocamento e o retorno).

Segundo ponto: ainda ligado à geografia, verifique se é melhor usar aquela vila, floresta, montanha ou seja lá o que for da aventura genérica ou se é melhor adaptar para locais que já existem no mundo onde a campanha principal se passa. Lembre-se: a geografia nova que você inserir vai ter que continuar existindo no mundo de campanha e, justamente por isso, no longo prazo se torna mais fácil usar algo que já tenha no mundo, ainda que no momento de preparar/mestrar a aventura, dê mais trabalho.

Terceiro ponto: NPCs. Troque alguns NPCs da aventura-pronta por NPCs que já apareceram na sua campanha se possível. Aquele contato misterioso que dará as pistas pode ser trocado por um antigo aliado dos jogadores. Parece simples, mas pode dar BEM mais trabalho do que parece. Se na aventura pronta há, por exemplo, um rei cruel e mal-humorado, mas na região onde os personagens dos jogadores normalmente se aventuram não há ninguém com essa personalidade, a adaptação pode ser até inviável (se os personagens já conhecem o rei e/ou a fama dele, e se essa característica for fundamental para a história).

Trilogia Porto Livre

Essa trilogia é muito boa para dar uma “pausa” nos demais jogos. | Fonte: Jambô Editora

Algumas aventuras são escritas pensando justamente em serem inseridas em um mundo qualquer. Um exemplo que me vem à cabeça é a excelente Trilogia de Porto Livre (que por sinal, no momento em que escrevo esta matéria, está em uma bela promoção no site da Jambô), que se passa em uma cidade costeira que pode ser facilmente incluída em qualquer mundo de fantasia medieval. Pode ser jogada como mini-campanha, isolada da sua campanha principal, ou mesmo integrada a uma história maior (o clima da narrativa e algumas pontas soltas deixadas facilitam esse último caso).

Uma última alternativa

Uma última possibilidade é pegar uma aventura pronta e utilizar apenas a ideia principal, adaptando todo o resto para o seu mundo de campanha. Funciona bem para casos em que há um jogador veterano na mesa que provavelmente já leu o material (nesse caso a dica é nem mesmo mencionar a fonte da ideia. Aumenta bastante a chance de funcionar).

Na mesma pegada, você pode pegar uma campanha que seja dividida em capítulos e utilizar apenas um deles como “recheio” da sua própria. Um que funcionam muito bem é o capítulo da viagem com a caravana, de “Hoard of the Dragon Queen”, por exemplo. O grupo de personagens basicamente vai do ponto A ao ponto B acompanhando uma caravana de comerciantes com muitos NPCs interessantes.

E é isso aí, aventureiros. Por hoje é só. Espero que tenha gostado das dicas, e que elas ajudem vocês a melhorar a sua mesa de jogo.

Henrik “Ghost” Chaves

Henrik “Ghost” Chaves é fã de D&D (mas acha que a edição 3.5 foi a melhor de todas) e de tudo relacionado aos Mitos de Cthulhu. Música (rock), literatura (fantástica), cinema (pipoca) e boardgames (modernos) estão entre seus outros hobbies.