UniversoRPG

Espada e Magia | Financiamentos

Pathfinder: o que esperar da segunda edição

Confira as mudanças e novidades que virão com o lançamento da Segunda Edição do Pathfinder RPG


Por: Mantsor | 15/07/2019

publicidade
D&D 5ed todos os livros

Aproveitando que o financiamento coletivo de Pathfinder 2ª Edição está a todo vapor (trazido pela Editora New Order no Catarse), vamos hoje conhecer um pouco das principais mudanças que vieram atualizar o RPG que, por um tempo, já superou o clássico D&D em popularidade.

Um pouco de história

A Editora Paizo surgiu no início dos anos 2000, aproveitando a onda de jogos d20 que tiraram proveito da licença flexível criada com a 3ª edição do Dungeons and Dragons. No início a Paizo era responsável pela publicação das revistas Dungeon e Dragon, que haviam sido licenciadas pela Wizards of the Coast (você não leu errado: estamos falando de duas revistas diferentes e não do jogo de RPG). Embora as duas revistas contivessem conteúdo voltado para o D&D, uma era mais focada em artigos (a Dragon) enquanto a outra era quase que exclusivamente dedicada a aventuras (a Dungeon).

Em 2007 a Wizards anunciou que estava trabalhando na 4ª edição do D&D, que teria uma licença bem mais restritiva que a edição anterior. Além disso, a Paizo perdeu a licença para publicação das revistas. A alternativa que a editora teve foi continuar publicando aventuras para o D&D 3.5 numa revista própria, a Pathfinder. Com o lançamento do D&D 4 em 2008, a Paizo resolveu continuar dando suporte para os fãs do sistema anterior através do seu próprio RPG, o Pathfinder Roleplaying Game, que era uma versão modificada do D&D 3.5, utilizando a licença OGL lá do início dos anos 2000.

A Wizards provavelmente não contava com a enorme fidelidade dos fãs ao D&D 3.5. O resultado foi que de 2011 a 2014 o Pathfinder foi o RPG mais vendido nos EUA, desbancando o D&D, que detinha esse título desde seu surgimento em 1974 até 2010. Em 2015 o D&D voltou a conquistar seu lugar no topo com a 5ª edição, lançada no ano anterior.

Estará a nova edição de Pathfinder à altura do D&D 5ed? | Fonte: Divulgação

Surge uma nova edição

Ainda que o Pathfinder venha mantendo a segunda posição dos RPGs mais vendidos, o sistema têm mostrado sinais de envelhecimento. Uma das grandes reclamações dos novos jogadores de Pathfinder é justamente o quebra-cabeças matemático que se tornou a criação de personagens, com suas infindáveis combinações de talentos, habilidades, classes de prestígio e multiclasses. Já o principal motivo do sucesso do D&D 5 foi um certo “retorno às origens”, que trouxe a simplificação, sobretudo das regras de criação de personagens, ainda mantendo a consistência, diversidade e balanceamento do sistema.

Assim a Paizo começou a trabalhar em 2016 na segunda edição de seu consagrado sistema, tendo liberado em 2018 o material para playtest, que ainda pode ser baixado na página oficial. O sistema sofreu grandes modificações, com o objetivo principal de facilitar a criação de personagens sem perder sua essência, que sempre foi a enorme gama de possibilidades de customização (algo que foi bastante limitado no D&D 5).

Embora o sistema tenha sofrido algumas mudanças nas mecânicas em geral (nas regras de combate, por exemplo), vamos nos concentrar aqui no que mudou na criação de personagens. As regras discutidas a seguir se baseiam na atualização 1.6 do playtest (de 05 Out 2018) e podem não ser as mesmas da versão final, pois o sistema ainda está sofrendo alguns ajustes. Por exemplo, a polêmica Regra de Ressonância, que limita o acesso a itens mágicos, não deve estar presente na versão final, ainda que apareça no material de playtest.

Um sistema mais modular

O Pathfinder original, assim como o D&D 3.5, são sistemas extremamente flexíveis, que permitem ao jogador criar personagens bastante diversos, por meio de uma combinação de talentos, características, habilidades, raças e uma ou mais classes. O problema desta diversidade é a grande complexidade para se encontrar combinações que sejam úteis, eficientes e ainda reflitam a imagem que um jogador faz de seu personagem.

Criar um personagem de Pathfinder pode ser uma tarefa desafiadora | Fonte: Pinterest

A proposta do novo Pathfinder é simplificar as escolhas que o jogador pode fazer no processo de criação de personagens, de modo a ainda permitir uma boa diversidade. A principal solução foi unificar os talentos genéricos, poderes e características num novo sistema, que possui talentos específicos associados a cada classe e ancestral (veremos mais adiante esse novo conceito). Isso não só facilita a vida do jogador, como também diminui a possibilidade de criação de “combos”, e acaba sendo muito parecido com os sistemas de escolha de “árvores de habilidades” que encontramos em muitos MMOs.

Não só os talentos, mas também os próprios atributos agora podem ser computados com base em ampliações (boosts) e reduções (flaws), que também são definidas pela escolha de classe, ancestral e antecedentes (outro novo conceito que veremos adiante). Todos os atributos começam com o valor base 10 e vão sendo ajustados. Por exemplo, um personagem recebe +2 em constituição e força se escolher um anão, +2 em força ou destreza se escolher um guerreiro e +2 em força  ou carisma se escolher o antecedente gladiador. Além dessas ampliações em atributos específicos, esse personagem ainda teria disponível duas ampliações de +2 para colocar em qualquer atributo desejado.

O fim das raças

Sim, é isso mesmo: as raças, um dos conceitos mais tradicionais dos jogos de RPG de fantasia, foi substituído por outro conceito ligeiramente diferente e mais abrangente. Tratam-se dos “Ancestrais” (Ancestries no original) , que abrangem as mecânicas das raças originais (dados de vida, ampliação/redução de atributos, línguas, etc) mas incluem também o conceito de herança. Significa que os personagens “herdam” características de seus ancestrais, que vão se manifestando ao longo do tempo. Mecanicamente essas características são representadas por talentos, adquiridos à medida que o personagem avança de nível. A resistência inata dos anões à magia, por exemplo, agora é um talento que pode ou não ser adquirido como parte de sua evolução hereditária.

Trata-se de um conceito que pode parecer estranho num primeiro momento, mas abre um leque de possibilidades de customização dos personagens. Em alguns casos, os talentos de ancestrais podem ser encarados mais como um “legado” do que algo estritamente genético. Um exemplo é a familiaridade dos elfos com armas elegantes, tais como arcos e espadas longas, que é mais uma tradição dos elfos do que um habilidade física

Para complementar os Ancestrais, foi criada também uma nova mecânica aproveitando a história do personagem. Claramente inspirada na regra homônima do D&D 5, temos agora também “Antecedentes” (Backgrounds no original) em Pathfinder. É um pequeno “pacote” de características pensadas para valorizar o histórico do personagem, definindo aumentos de atributos, alguns talentos e perícias específicas. Alguns exemplos são acólito, gladiador, nobre, estudioso e caçador. Embora pareçam estar bastante associadas com certas classes, um uso interessante é justamente combiná-las com classes que não tem nenhuma relação: um acólito pode ser o antecedente, por exemplo, de um mago. Imagine os antecedentes como “proto-classes”, que representam a vida do personagem antes dele estudar/treinar/praticar para adquirir uma classe.

Os clássicos goblins de Pathfinder agora são uma nova raça jogável | Fonte: Divulgação

E finalmente, outra grande novidade relacionada com os Ancestrais é a possibilidade dos personagens jogarem com Goblins! Essas pequenas e irritantes criaturinhas sempre foram uma espécie de mascote de Pathfinder e agora podem ser utilizadas pelos jogadores como uma desafiadora alternativa de “alívio cômico” para os grupos, que tem tudo para desbancar esse título dos halflings e gnomos.

Uma nova classe e o fim da multiclasse

Logo de início podemos notar duas grandes mudanças no sistema de classes de Pathfinder, que foram ideias surgidas nos suplementos Guia de Classes Avançado (Advanced Class Guide) e Guia do Jogador Avançado (Advanced Player’s Guide), agora adaptadas e incorporadas no livro básico.

A primeira é uma nova classe base, o Alquimista (Alchemist), que era originalmente uma classe opcional do Guia do Jogador Avançado. Trata-se de mais uma alternativa interessante de classe arcana, ao lado do Mago e do Feiticeiro. No caso do alquimista, o foco da sua magia está em suas criações alquímicas, que vão desde poções explosivas (alguém aí pensou em coquetel molotov?) até poções mais convencionais, como as poções de cura e de melhoria de atributos. Enquanto um mago precisa diariamente memorizar suas magias e um clérigo orar para a sua divindade, o alquimista vai precisar gastar um tempo elaborando as poções que ele terá a sua disposição. Essa rapidez de preparação e versatilidade é basicamente o que diferencia a classe alquimista de um mago alquimista convencional. E é claro que o alquimista também precisa de uma boa pontaria quando se trata de arremessar seus preparados explosivos (alguns talentos melhoram o alcance ou precisão do alquimista).

A segunda grande mudança é a extinção do conceito de multiclasse. Essa regra tradicional, nascida no D&D, permitia que um personagem de uma determinada classe, digamos um guerreiro, suspendesse a evolução na sua classe original e ganhasse níveis em outra classe, como por exemplo ladino, o que incluía todas as características de evolução da nova classe, como dado de vida, habilidades específicas e espaços de magia. Existiam ainda as classes de prestígio, que tinham como objetivo substituir completamente a classe original por uma nova classe, que funcionava como um aprimoramento ou especialização.

Os arquétipos

O novo conceito de Pathfinder 2e que substitui a multiclasse é o arquétipo. Embora já existisse na edição anterior, ele foi agora aprimorado para permitir uma melhor diversificação e especialização das classes tradicionais, sem alterar drasticamente o caminho de evolução do personagem. Tanto que temos arquétipos de multiclasse (que permitem a aquisição de talentos de uma classe distinta da original) e os arquétipos de prestígio ( que permitem a aquisição de talentos que aperfeiçoam a classe original).

Um exemplo de arquétipo de multiclasse é o Arquétipo Clérigo. Suponhamos que a classe do personagem seja  guerreiro. Se ele possuir Sabedoria 16 e adquirir treinamento em religião, então ele pode adotar o arquétipo clérigo. Com esse arquétipo ele tem acesso a novos talentos, que permitirão ao longo do tempo que ele possa, entre outras habilidades, lançar magias divinas. Embora o personagem agora tenha acesso a talentos de clérigo, sua progressão de pontos de vida e de proficiências continuam como a de um guerreiro.

Já um exemplo de arquétipo de prestígio é o Arquétipo Cavaleiro. Novamente, tomemos como exemplo o nosso guerreiro. Ao adquirir esse arquétipo ele continua sendo um personagem focado em combate armado, porém agora ele também é especializado, por meio de novo talentos, no combate montado. Mais uma vez, sua base de evolução continua a mesma, somente com o acesso a um novo conjunto de talentos de classe.

Não só as artes foram aprimoradas, mas todas as classes sofreram alguma melhoria | Fonte: Paizo

Outras mudanças nas classes

Além dessas grandes mudanças, tivemos também diversas mudanças menores em todas as classes, seja com o objetivo de melhor caracterizá-las ou de trazer um balanceamento.

Alguns exemplos: bárbaros agora possuem acesso a Totens (olá Guerreiro Totêmico do D&D 5ed); bardos ganharam sua própria classe de magias (as Magias do Oculto – Occult Spells); monges deixaram de ser simples máquinas de pancada e passaram a ter distintos estilos de combate marcial, dependendo do tipo de instância adotada (da Garça, do Lobo, do Tigre ou do Dragão); paladinos também ganharam mais personalidade, deixando de ser clérigos guerreiros leais, adquirindo seus próprios “Poderes de Campeão” (ao invés de invocarem magias divinas tradicionais); e rangers agora são mais versáteis, pois não possuem apenas um conjunto limitado de inimigos favorecidos, podendo usar sua habilidade para marcar qualquer alvo para terem vantagem sobre ele em um combate.

Perícias e proficiência

Um última mudança digna de nota é quanto ao Sistema de Proficiência, que influencia principalmente como ocorre a evolução do nível das perícias. Originalmente, a cada nível de personagem você ganhava “pontos de perícia” que poderiam ser usados para aumentar o nível de uma perícia ou para o aprendizado de uma nova.

Na nova edição, as perícias que você escolhe inicialmente são aquelas em que você é proficiente (treinado). Existem 5 níveis de proficiência*: sem treinamento(-4), treinado (0), especialista (+1), mestre (+2) e lendário (+3). A medida que avança de nível, o personagem vai adquirindo “incrementos de perícia”, que podem ser utilizados para aumentar o nível de proficiência numa perícia ou adquirir treinamento em uma nova.

A grande diferença agora é que o nível de personagem também entra no cálculo do valor final de teste de uma perícia. Por exemplo, um personagem de nível 10, com o nível mestre (+2) em Diplomacia (Car) e Carisma 16 (+3), possuirá um valor de teste igual a +15 (10+2+3). Esse personagem teria sucesso quase garantido em qualquer teste com DC 15 ou menos. Ou seja, personagens de alto nível treinados em uma perícia passam a ter sucesso praticamente automático em testes regulares, mesmo que não invistam na melhoria de sua proficiência.

*ATUALIZAÇÃO: no financiamento coletivo foi disponibilizada uma ficha de personagem que apresenta novos modificadores de proficiência: Destreinado (0), Treinado (+2), Especialista (+4), Mestre (+6) e Lendário (+8).

 

Robertson “Mantsor” Schitcoski

Robertson “Mantsor” é engenheiro de computação e mora em Brasília. Ingressou no mundo do RPG mestrando todo tipo de cenário em GURPS, que é o seu sistema de estimação. Hoje prefere Chamado de Cthulhu, que já lhe rendeu algumas das melhores experiências com o hobbie.