Além do Estereótipo – Bárbaros
Ideas para criar Bárbaros, fugindo do estereótipo padrão do personagem com muita força e baixa inteligência.
Por: Ghost | 28/08/2021
Salve, salve, aventureiros!
Todos sabemos o que é um estereótipo, certo? Uma ideia preconcebida sobre alguém ou sobre algo que vem de generalizações sobre esse objeto ou sujeito (muitas vezes resultando no que chamamos de preconceito, mas não é esse o ponto do artigo).
Uma coisa muito comum em jogos de RPG são as classes de personagem. Nem sempre elas recebem esse nome. Em “Chamado de Cthulhu”, por exemplo, temos as Ocupações que, no fundo, são meio que a mesma coisa. O ponto é: as classes de personagem definem o que o seu personagem faz.
Em D&D, de longe o RPG mais famoso do mundo, as classes básicas são Bárbaro, Bardo, Bruxo, Guerreiro, Clérigo, Druida, Feiticeiro, Ladino, Mago, Monge, Paladino e Patrulheiro.
Para cada uma dessas classes existe um estereótipo, que parece “agarrado” na mente das pessoas. Em alguns casos é mais fraco, como por exemplo o Bruxo, onde a diferença entre ele, o Feiticeiro e o Mago está longe de ser óbvia para quem está tendo contato com o jogo pela primeira vez.Porém, em outros casos o estereótipo é mais forte, mais “evidente” ou mais simples de visualizar e entender, como o Guerreiro, ainda que com ressalvas. Porém, provavelmente nenhum estereótipo é tão forte quando o do Bárbaro, normalmente sendo tratado como sinônimo de “burro”.
Os bárbaros da história
Antes de seguir com a classe de D&D vamos dar uma checada no bárbaro histórico. Quem eram esses caras?
O termo “Bárbaro” tem origem grega, e era usado para definir povos que falavam idiomas ininteligíveis para os povos helênicos/homéricos (uma maneira mais correta de se referir aos “antigos gregos”, já que a Grécia – como um território unificado – só passou a existir a partir de 1832). Diz-se que a origem do termo vem justamente do fato de esses idiomas estrangeiros soarem como “bar bar bar” para esses povos (nunca consegui uma comprovação dessa anedota, entretanto).
Com o passar do tempo “Bárbaro” virou sinônimo de “estrangeiro”, e havia uma certa carga de preconceito/xenofobia no uso da palavra. O conceito foi posteriormente absorvido pelos romanos, e passou a se referir a qualquer povo que não praticasse a cultura greco-romana.
Notem que nada disso indica que um povo bárbaro era necessariamente iletrado, muito embora a maior parte deles não tenha chegado a desenvolver um alfabeto nos mesmo moldes que usamos no mundo ocidental. Desenvolveram, no máximo, “proto-alfabetos”, como as runas vikings, que transmitiam conceitos e avisos, mas eram insuficientes para coisa mais complexas (como um livro, por exemplo).
Nessa categoria podemos incluir os próprios vikings (povos nórdicos), os povos germânicos (Vândalos, Godos, Visigodos, etc…), mongóis (hunos) e muitos outros. Notem que, mesmo sem um alfabeto, haviam culturas complexas, com direito a mitologias bem desenvolvidas.
Quadrinhos, TV e Filmes
Com o passar das décadas a cultura pop – especialmente quadrinhos e, posteriormente, o cinema – nos brindou com dezenas de personagens com o conceito de Bárbaro. O mais clássico deles talvez seja o cimério Conan, também conhecido como Conan, o Bárbaro. Criação de Robert E. Howard e eternizado nos cinemas pelo nosso querido Arnold Schwarzenegger.
Mas podemos incluir nessa lista outros nomes como Wolff (de Esteban Maroto, para a revista Dracula), Sláine (Pat Mills e Angela Kincaid, para 2000 AD), Brakan (do brasileiro Mozart Couto, para a revista também chamada de Brakan) e outros.
Além desses temos o muito mais que clássico “Groo, o Errante“, a brilhante paródia do Conan criada por Sergio Aragonés e que teve alguns números publicados em português (se tiverem a oportunidade de ler, seja em encontrando em algum sebo ou por outras fontes, vão fundo! Não vão se arrepender!).
No cinema e na TV a lista é ainda mais longa. Muita gente assistia no SBT o desenho “Thundarr, o Bárbaro” (que aliás daria uma bela adaptação para D&D… vamos pensar a respeito). Nos filmes tivemos “Kull, O Conquistador” (baseado no personagem de Robert E. Howard, que terminou sendo uma espécie de “rascunho” para o Conan, criação seguinte do autor) e as diversas adaptações do próprio Conan para o cinema. “O 13° Guerreiro” (1999, com o astro Antonio Banderas) e o obscuro “Os Bárbaros” (1987) ajudam a encorpar a lista.
RPGs
Focando em Dungeons&Dragons a classe bárbaro apareceu pela primeira vez na revista Dragon n° 63 (julho/82) como uma classe opcional para AD&D 1ª Edição. Em AD&D 2ª Edição apareceu como um kit no suplemento “The Complete Fighter´s Handbook” e depois como classe básica no “The Complete Barbarians´ Handbook“. A partir da 3ª edição foi uma classe disponível já nos livros básicos.
O ponto é que a esmagadora maioria dos jogadores enxerga o Bárbaro como nada além de um guerreiro grande, forte e, na maioria das vezes, com baixa inteligência.
Embora às vezes divertido, esse conceito, como generalização não poderia estar mais errado.
Como citado mais acima, os povos chamados de “Bárbaros” tinham culturas complexas, muito embora a ausência de registros escritos feitos pelos próprios nos tenha deixado poucas pistas sobre os detalhes dessas culturas.
Oras, um dos principais fatores da queda do poderoso Império Romano foi exatamente o conjunto de invasões bárbaras. Será que o exército mais organizado e poderoso de sua época foi derrotado apenas por um bando de “idiotas”? Certamente não. Os povos bárbaros aprenderam a superar as táticas sofisticadas das Legiões Romanas e, assim, derrotá-las (sim, houve outros fatores para a decadência de Roma, mas o objetivo aqui não é tecer uma tese sobre tudo o que levou o Império ao seu fim).
Adicionalmente, Vikings visitaram o continente americano séculos antes das Grandes Navegações, usando Drakkars. Eles tinham técnicas de navegação sofisticadas e eficientes. Simplesmente não dá para chamar essas pessoas de “um povo burro”.
Dentro das próprias ambientações oficiais de D&D (e seus predecessores) o conceito do bárbaro burro é negado. Em Dragonlance (cujos romances foram publicados pela Devir anos atrás, e recentemente foram relançados com uma nova tradução pela Editora Jambô) temos Lua Dourada e Ventania. Esse último é um bárbaro “puro” e Lua Dourada, embora a rigor seja uma clériga, vem de um povo bárbaro.
Não se prenda ao padrão
Não nenhuma regra que diga como você deve interpretar o seu personagem. Portanto, o seu bárbaro não precisa, de forma alguma, ser apenas um lutador nato, extremamente forte e com limitações intelectuais (leia-se: tapado). Por isso, aqui vão algumas dicas de como fugir da tradicional “máquina-de-combate-sem-inteligência”.
Ele pode muito bem ser um guerreiro altivo e orgulhoso, conhecedor de táticas de combate, especialmente de guerrilha. Ele pode ser o líder ou o representante máximo de uma tribo distante e que está em busca de conhecer outros povos e suas táticas de combate. Ou seja, ele ainda continua sendo muito bom no que faz, mas sua motivação vai além do simples combate.
Outra possiblidade, o bárbaro que conhece muito bem as leis da natureza de um determinado local ou região. Isso o torna um especialista sobre as lendas “xamânicas” de seu povo, sem precisar ser um xamã propriamente dito. Conforme mencionei antes, muitos povos considerados bárbaros não chegaram a desenvolver um idioma escrito. Logo, suas tradições precisam ser transmitidas de forma oral e guardadas na memória. Um bom ouvinte de uma tribo bárbara seria quase uma enciclopédia da cultura de seu povo.
Seu personagem pode ser o representante legal de uma civilização inteira e que vive isolada das demais (você pode definir os motivos do isolamento mais tarde). Contudo, algo fez com sua civilização precisasse interagir com as demais e agora, você foi escolhido como um emissário do seu povo. Como complemento a esse background, seu personagem poderia ser alfabetizado e versado em mais de um idioma, algo incomum para personagens bárbaros. Além disso (e com a permissão do mestre), ele poderia ter uma ou duas perícias diferentes, mas que representassem essa preparação para viajar pelo mundo.
Como você pode ver, seu bárbaro não precisa ser o alívio cômico do grupo e nem o personagem sem noção que sai chutando a porta em momentos nos quais discrição é fundamental. Com um pouco de trabalho e paciência, você pode construir algo fora do estereótipo padrão.
E claro que, se você quiser, o seu personagem pode continuar sendo o oposto de tudo isso que falamos. Afinal de contas, ele é seu e a proposta é sempre se divertir. Apenas tenha consciência de que esse “modelo pronto de personagem” está muito longe de ser a única opção. E, da próxima vez que construir um bárbaro, tente fugir do estereótipo. Pode ser bem divertido interpretar o personagem confuso com os costumes da cidade grande, e ainda mais divertido interpretá-lo como alguém que conhece os segredos das terras selvagens do seu mundo de jogo.
Henrik “Ghost” Chaves
Henrik “Ghost” Chaves é fã de D&D (mas acha que a edição 3.5 foi a melhor de todas) e de tudo relacionado aos Mitos de Cthulhu. Música (rock), literatura (fantástica), cinema (pipoca) e boardgames (modernos) estão entre seus outros hobbies.