Storyteller, uma introdução ao sistema
O sistema e cenários onde interpretar seu personagem faz toda a diferença.
Por: nestokun | 16/03/2017
No começo dos anos 90 Mark Rein-Hagen (criador do jogo Ars Magica) teve uma ideia para um novo cenário de jogo com temática de terror chamado Vampiro – A Máscara. Juntamente com Tom Dowt (criador do jogo Shadowrun) ele desenvolveu um novo sistema de jogo, que utilizava um d10 para o cálculo de probabilidade. Este era o começo do sistema Storyteller, que com o passar dos anos ganhou jogadores e se tornou conhecido de tal forma que chegou a competir com a gigante Wizards of the Coast e seu Dungeons and Dragons. Ainda que o sistema tenha sido descontinuado em 2003 e substituído pelo novo Storytelling System, o Storyteller ainda é um dos sistemas de RPG mais jogados do mundo.
Muito deste sucesso se dá pela simplicidade do sistema: você constrói seus personagens utilizando pontos de personagem que compram características em uma ficha. Estas características estão representadas por bolinhas preenchidas na ficha. Quando necessário um teste, para cada ponto que um personagem têm nas características relevantes (normalmente um Atributo e uma habilidade) ele joga um dado de 10 faces. Caso o resultado seja igual ou superior a dificuldade proposta (normalmente 5 ou 6), ele teve um sucesso. Um ou mais sucessos permitem que ele passe no teste ou não, de acordo com a situação.
Por exemplo: o personagem está em uma situação complicada; foi pego em uma área controlada pela máfia quando seguia um inimigo, e três capangas armados o cercam em uma viela. Seu jogador decide tentar convencer os capangas que ele é um aliado do chefe deles, cumprindo uma missão secreta. Ele então irá testar o atributo social Manipulação junto com a habilidade Lábia. Ambos somam 8 pontos, então ele rola 8 dados de 10 faces. Sua dificuldade era 6, então cada dado que resultar em um 6 ou mais é um sucesso.
Seu cenário mais famoso é o Mundo das Trevas (World of Darkness ou WoD para simplificar), utilizado em vários jogos da empresa. Todos os jogos da linha usam um mesmo padrão: você escolhe um entre vários tipos de personagens possíveis (clãs de vampiro, tribos de lobisomem, tradições de mago…) e este tipo lhe concede benefícios, problemas, uma gama de poderes para escolher, e uma série de informações sobre quem são e o que querem os integrantes de seu grupo. Desta forma, um jogador de um dos cenários pode entender com facilidade o funcionamento de qualquer outro cenário dentro do Storyteller. Claro que cada cenário tem suas peculiaridades, mas a base se mantém.
E acima de tudo, o Storyteller enfatiza a criação de histórias. Os jogadores e o Narrador (em inglês Storyteller, o equivalente ao Mestre) desenvolvem histórias com os personagens, criados com um diferencial: eles devem já ter uma história pronta antes do jogo começar (conhecido como o Prelúdio do personagem). No decorrer das aventuras os personagens precisam fazer ações para seguir adiante, mas essas ações podem ser puramente interpretativas ou pode se realizar testes. Ou seja: se sua interpretação de uma ação for boa o bastante, a rolagem de dados se torna desnecessária!
O sistema enfatiza a resolução de conflitos através da interpretação, e não dos testes. Seu foco nunca foi o combate (com exceção de Lobisomem, o Apocalipse talvez), e a habilidade de conduzir seus personagens sem precisar rolar dados não apenas é valorizada pelo sistema, como em alguns casos é premiada com pontos de experiência ou obtenção de antecedentes.
No exemplo dado acima, o jogador poderia tentar usar interpretação no lugar do teste de Manipulação e Lábia. Ele interpretaria o personagem e iniciaria um diálogo com o Narrador. Se o jogador conseguisse ser convincente o bastante, ele poderia passar por toda a situação sem rolar um dado sequer. E conforme sua interpretação ele poderia acabar convencendo os capangas de que ele era um aliado, ganhando novos contatos ou mesmo convencendo os capangas a ajudá-lo a continuar a perseguição ao seu inimigo… tudo de acordo com o personagem.
Em termos de regras, as características do personagem são divididas em três grupos: os Atributos (as características pessoais dos personagens. Aquelas com as quais eles já nascem ou as desenvolvidas durante o crescimento, divididos em 3 tipos:Físicos, Sociais e Mentais), as Habilidades (todo o aprendizado normal e/ou cultural do personagem, naturais ou treinados, divididos em Talentos, Perícias e Conhecimentos) e os Antecedentes (basicamente tudo o que o personagem possui desde antes de se tornar o que ele é, como fama, recursos ou contatos). Existem outras características que variam ou não de acordo com o cenário, mas estas são as básicas (explicarei mais sobre isso em posts futuros, focados em cada um dos grupos).
Convém citar que o foco puramente interpretativo, em contraste com a antiga abordagem muito mais técnica do GURPS e com o foco em combates do D&D gerou certa rivalidade entre os jogadores destes sistemas. Entretanto jogar RPG sempre foi mais sobre a diversão e menos sobre a rivalidade, então é comum também que muitos jogadores de outros sistemas também joguem Storyteller e vice e versa, ainda que o mais comum é que isso gere personagens de D&D com uma história mais desenvolvida e personagens de Storyteller mais voltados para o combate.
No próximo artigo sigo com uma expedição ao cenário mais famoso do Storyteller: Vampiro, a Máscara.