Storyteller – O Abraço
O belo, romântico e traumático momento de se virar um vampiro.
Por: Zamboman | 21/06/2017
Já falamos aqui sobre o sistema Storyteller. Começamos com o sistema em si, exploramos um pouco os atributos e até demos dicas de como colocar o medo em suas narrativas. Pois bem, hoje começamos a falar sobre aquele que é o cenário mais famoso dentro do World of Darkness no sistema Storyteller que é Vampiro: a Máscara.
Nele os jogadores são convidados a experimentar a vida – ou não-vida – na pele de um vampiro, nos tempos atuais, vivendo entre a sociedade mortal de maneira anônima ao mesmo tempo que busca empreender suas batalhas contra seus rivais, escapar de caçadores e conseguir chegar até onde suas ambições o levarem. Tudo sob o ponto de perspectiva de um ser que já não é mais humano, mas que precisa se agarrar aos fragmentos de sua humanidade perdida de modo a evitar que sua ‘besta’ interior o reduza a pouco mais que uma fera sedenta de sangue. Isso é um jogo de terror.
O que significa ser ‘abraçado’ em Vampiro?
Nada exemplifica melhor a transição de um ser humano normal – ou quase – para um ser morto-vivo imortal do que o processo chamado entre os vampiros de o “Abraço“. O livro deixa parcialmente em aberto o modus operandi da coisa toda, definindo apenas algumas regras específicas e deixando bem claro que algumas coisas podem muito bem dar errado. O motivo é simples: um vampiro jovem, normalmente recém criado e ainda buscando afirmar sua posição dentro da intrínseca e potencialmente frágil sociedade dos vampiros, não tem permissão para criar novos vampiros. Isso é, inclusive, um crime entre os Membros (modo pelo qual os vampiros costumam se referir a si mesmos), podendo resultar na destruição da cria proibida e do criador da mesma. Nada agradável.
Desta forma, as informações – o conhecimento de ‘como fazer’ é algo que não é, em hipótese alguma, explicado aos jovens vampiros – os jogadores. Tudo o que eles lembram do processo é bastante pessoal, e pode variar muito de indivíduo para indivíduo. Afinal, vampiros se dividem em clãs no Vampiro: a Máscara, e cada clã utiliza-se de maneiras diferentes para fazer a mesma coisa.
Recomenda-se ao Narrador que converse com os jogadores sobre o abraço deles. Em suplementos do jogo são detalhadas muitas das formas pelas quais Membros abraçam seus jovens e, como todo o mais dentro da sociedade vampírica, as regras sociais estão presentes desde o início. Para qualquer um que tenha lido Drácula e Entrevista com o Vampiro, estas regrinhas da transformação são familiares. Os muitos filmes de vampiros costumam apresentar a transformação de diversas formas, muitas vezes com passos desde os mais simples (ser mordido por um vampiro) até os mais complexos. Duas coisas, entretanto, são os absolutos do abraço em Vampiro, e TODO abraço apresenta ambos:
Quase todo o sangue da vítima deve ser retirado
Basicamente a vítima deverá estar praticamente sem sangue, o bastante para que ela esteja literalmente morrendo pela falta do líquido. Esta retirada pode ser gradual ou rápida, e não importa a maneira pela qual o sangue é retirado. Ele pode ser bebido pelo vampiro (ou vampiros), removido por meios cirúrgicos, com ou sem agulhas, por hemorragias. O importante é que o alvo do abraço deverá estar quase sem sangue no corpo.
Já fica fácil de imaginar que o método para remoção do sangue varia muito de clã para clã; e como os vampiros dentro de cada clã conseguem ser bastante individuais, a maneira pela qual o novo vampiro perde seu sangue pode ser bem explorada pelo Narrador. Foi uma sensação agradável, embebida pelo prazer da mordida (os vampiros causam um êxtase místico com sua mordida, motivo pela qual alguns mortais se viciam na sensação e buscam vampiros para beber seu sangue), ou algo aterrorizante, com homens vestindo branco que o prenderam em uma mesa cirúrgica sem falar nada, e ele apenas sentiu o frio entrando em seu corpo, enquanto assistia seu sangue escorrer por cortes, tubos, etc. Este é um jogo de terror, certo? Afinal, mesmo se a vítima morrer, se os dois passos forem cumpridos e a morte for muito recente – 10 minutos ou menos – o abraço ainda pode funcionar.
Um pouco de sangue vampírico deverá entrar no sistema da vítima
Você pode usar os filmes Entrevista com o Vampiro e Drácula como base aqui. Seja na cena de arrebatamento de Mina, quando ela lambe o sangue escorrendo dos cortes no peito de Drácula, seja nas gotas que Lestat deixa caírem de seu pulso aberto, nos lábios de Louis, sempre o vampiro permite que a vítima beba seu sangue, selando seu destino. Pouco mais do que algumas gotas iniciam o processo, mas pelo menos um gole costuma ser necessário. Como uma boca adulta se enche com menos de 30ml, não é preciso muito.
Esta forma romantizada, ainda que seja a mais comum, não é a única; a regra é que o mortal tenha sangue vampírico no sistema, seja bebendo ou não. Um vampiro pode injetar seu sangue na vítima com uma seringa, pode fazer uma transfusão, pode inclusive abrir a vítima com uma faca e derramar sangue dele dentro do corte. Acredite, se a vítima estiver quase sem sangue e algum sangue vampírico entrar em seu sistema, ela pode virar um vampiro mesmo que o Membro não deseje isso, ele pode nem saber que o corpo que ele abandonou após uma batalha irá se levantar como sua cria (tipo o primeiro jogo Prototype – mas com um vampiro e não vírus). Este acaba até sendo um plot comum em aventuras: a cria bastarda.
Já ficou claro que nem tudo são rosas, certo?
Primeiro, o novo vampiro morrerá. Sua vida irá se extinguir de dentro para fora, em um processo excruciante e traumático. Você sentirá cada parte de seu corpo arder e desligar. Cada órgão para de funcionar. Toda a comida e bebida em seu corpo (exceto o sangue) irá ser ejetada para fora. E não de uma maneira gentil… Você morre, e lembra de cada segundo do processo. Não há um tempo fixo entre sua morte mortal e seu despertar como vampiro – agora um Membro. Normalmente o processo leva um dia – ele morre hoje e desperta no anoitecer seguinte, sem ferimentos e agora um morto-vivo.
Mas, e sempre tem um mais, nem sempre isso funciona assim. Um vampiro jovem pode despertar imediatamente, ou levar dias – semanas – até acordar. E durante este período, ele será um cadáver com sangue vampírico no sistema. E o pior: sempre existe uma chance de o processo falhar, deixando o Membro com o cadáver da vítima para esconder, enterrar, queimar… e se o novo Membro não se transformar logo, o vampiro não tem como saber se ele só está demorando ou se o processo falhou. Nem preciso dizer as tragédias que já aconteceram aqui, não é?
PS: Alguns membros mais linguarudos já chegaram a dizer que Romeu e Julieta é uma peça inspirada em duas famílias de vampiros rivais, e que o ‘veneno’ era sangue vampírico. Louco, não é?
A fome de quem desperta
Outro pequeno problema… o novo vampiro irá acordar faminto. E atacará qualquer um – QUALQUER UM – que estiver por perto quando isso acontecer. Seja seu novo senhor, seja sua família, sejam os pobres funcionários da funerária. Ou o vampiro que deseja criar um neófito (termo para um vampiro recém criado, sem direitos na sociedade vampírica ainda) providencia para que ele tenha ‘alimento’ à mão, ou ele deverá se preocupar em limpar uma bela de uma sujeira. Literalmente. Afinal manter a existência de vampiros em segredo é a MAIOR regra dos vampiros. Pense nisso da próxima vez que ouvir falar de um massacre descoberto em algum lugar: pode ter sido um vampiro mascarando o despertar de sua cria. Mestres vampiros que desejam livrar o neófito de seus laços humanos podem, inclusive, preparar verdadeiros shows sádicos, envolvendo amigos e familiares do neófito. Como eu disse, este não é um jogo para vampiros fofos que brilham na luz, é um jogo de terror pessoal.
O abraço de um novo vampiro é uma oportunidade para apresentar o clima que você deseja para sua campanha. É sempre uma boa oportunidade se Narrar a criação de seus personagens com os jogadores, uma experiência que – apesar de aterrorizante – criará uma melhor perspectiva sobre vampiros e sua humanidade. Quem sabe o jogador que teve uma experiência verdadeiramente traumática – e deixou bem claro o quanto ele sofreu nas mãos de seu “Mestre Vampiro” cruel – não se pega no futuro preparando o abraço de uma cria usando os mesmos métodos. Seria um golpe, não é? Perceber que ele já deixou tanto da humanidade para trás.
Lembrem-se que o propósito ao se jogar Vampiro não é se criar máquinas de matar super poderosas. Ou super-heróis das sombras. É viver entre a luz e as trevas, lutando contra sua natureza interior (a Besta) e tentando, noite após noite, se manter vivo. Ou morto-vivo, claro.
Até a próxima e bom jogo para vocês!
Marcelo JK “Zamboman”
Jogador e Mestre de RPG desde a época em que os dinossauros caminhavam pela Terra. Fã de ficção científica, mestre de Star Wars Saga e mestre em tirar aventuras improvisadas da cartola.