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Do Além | Adaptações

Ex-Heróis, da literatura para sua mesa de Storyteller

Cansado do mesmo jogo de Vampiro, Lobisomem e Mago? Que tal acrescentar alguns zumbis e super-poderes à mesa?


Por: nestokun | 21/03/2018

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Creio que todo jogador de Vampiro já sentiu alguma vez o desejo de usar superpoderes em suas campanhas. De tempos em tempos bate a vontade de narrar algo com supers, usando o velho e bom sistema do d10 de Storyteller. Os poderes estão todos ali: Sentidos Especiais, Telecinese, Telepatia, Super-Velocidade, Controle do Clima, Disparo de Bolas de Fogo, Dominação Mental, e assim por diante. Mas usar estes poderes em uma campanha de super-heróis no sistema de regras do Storyteller não é nada fácil, acreditem. Grande parte da ação com super-poderes depende e abusa do combate, e o único sistema com foco em combate no Storyteller é o Lobisomem (bom, e o Exalted – mas narradores de Exalted são mais raros do que a primeira edição do Necronomicon). E um cenário para supers não existe no sistema, então normalmente se abandona a ideia.

Outra ideia frequente para jogadores de RPG é: campanhas em um apocalipse zumbi. Sei que o hype dos zumbis passou, mas uma campanha onde os personagens enfrentam hordas de mortos-vivos e outros perigos enquanto lutam pela sobrevivência sempre atraiu jogadores, especialmente aqueles que jogam cenários mais atuais, como Storyteller ou CyberPunk. Mas a ideia é meio que sem muita variedade – zumbis e pós-apocalipse… e daí? Como trazer algo novo para a fórmula? Apimentar a campanha?

Então… Algum tempo atrás eu estava procurando um livro para reler na hora do almoço. Na minha prateleira já abarrotada de títulos, eu encontro o livro Ex-Heróis de Peter Clineslançado pela Novo Século em parceria com o Omelete, em 2013. Leitura antiga, passada por indicação do Marcelo (deste site), rápida e divertida. Mas quando seguro o livro nas mãos e relembro a história, percebo que achei meu cenário para o jogo de supers / horror.

Ex-Heróis paraStoryteller

Primeiro livro da série | Fonte: Editora Novo Século

Para aqueles que desconhecem a obra, segue uma breve sinopse:

Em um futuro próximo – ou mesmo passado recente – algumas pessoas começaram a desenvolver habilidades especiais. Superforça, capacidade de voo, projeção de energia, metamorfose. Ninguém sabe o motivo pelo qual essas pessoas adquiriram suas habilidades, embora algumas histórias envolvem acidentes com produtos químicos, antigos rituais que finalmente funcionaram, etc. A proporção de pessoas com poderes é muito baixa (algo em torno de 1:1.000.000 pelo número de heróis do livro), e enquanto alguns possuem diversas habilidades, outros possuem poucas. Vários destes indivíduos começam a agir como heróis em suas cidades, inspirados pela ficção e pelo senso de que o mundo precisava de ajuda.

Entretanto, não muito depois disso, outro mito se torna realidade: os mortos-vivos conhecidos pela cultura pop como zumbis. Chamados pelo governo de ex-pessoas, ou ex-vivos, estas criaturas infestaram o mundo em uma epidemia que ninguém conseguiu impedir, originada nos Estados Unidos. A maioria dos governos do mundo todo caiu, e o caos resultante desfez a sociedade como conhecemos. Agora os heróis que restaram lutam para ajudar os humanos normais a sobreviver em um mundo apocalíptico, enfrentando mortos-vivos, bandidos, e eventuais ex-heróis – zumbis que mantiveram seus poderes após a morte.

Ex-Heróis, os outros livros

Os outros livros, mas só lá forma | Fonte: Peter Clines

Uma sacada interessante da série é que a mordida dos ex-vivos não é fatal. Ainda que a maioria das pessoas morre após ser mordida, a morte não é causada pelo vírus (pois sim, é um vírus), mas por outros fatores. Semelhante à mordida de um Dragão de Komodo, ela não é venenosa em si – mas carrega todas as doenças que todas as pessoas mordidas anteriormente carregavam no sangue. Ou seja, a morte da pessoa mordida é causada por infecção generalizada de dezenas de doenças.

Em jogo

Pessoas que sejam tratadas rapidamente podem sim sobreviver à uma mordida, apesar de se tornarem portadoras do vírus e virarem uma ex-pessoa quando morrerem. A infecção também é possível sem haver uma mordida – basta que fluidos dos infectados entrem em contato com sua corrente sanguínea. Apenas isso não matará o personagem: digamos que sangue infectado entre em contato com um ferimento do personagem. O Narrador joga em segredo o Vigor da vítima: três sucessos ou mais significam que o alvo não se contaminou. Dois sucessos ou menos significam que ele se contaminou, mas sem efeitos imediatos. Uma falha crítica fará o ferimento imediatamente se tornar um dano agravado, com o vírus causando uma reação poderosa no organismo e – se não for tratado imediatamente – o transformando em um ex-vivo.

Mas não há cura para o vírus: mesmo poderes de cura não o eliminam, apenas as reações dele.

Isso gera um jogo onde seus personagens podem sobreviver depois de mordidos, muito mais viável para campanhas. E oferece alguns pontos de drama interessantes, por exemplo:

  • Um herói infectado mantém segredo por receio de causar pânico nos humanos que ele protege. E se ele cair em combate? Ele pode infectar outros sem querer, caso tenha relações íntimas com alguém?
  • Um npc importante foi mordido, e o grupo precisa lutar contra o tempo para o salvar – cada segundo diminui as chances de sobrevivência dele.
  • Um ente querido foi infectado e não sobreviveu. Será que o grupo terá a coragem de fazer o que precisa ser feito?
Ex-Heróis, Ataque zumbi

Ataque zumbi, é melhor gritar mesmo. | Fonte: AMC Divulgação

Em regras, a mordida de um ex-vivo causa dano agravado. Tal dano não irá sarar normalmente, e a cada hora que passa sem curar esse dano o personagem deve fazer um teste de Vigor (dif. 8) para que a infecção não se alastre (causando mais um ponto de dano agravado e piorando sua condição). Se ele passar no teste, ele se mantém estável. Se em algum momento o personagem ficar Incapacitado (somado todos os seus pontos de dano), ele não resiste e falece: em 1d10 horas, despertará como ex-vivo.

Com tratamento intensivo de antibióticos (e/ou poderes de cura), o dano deixa de ser agravado – o alvo recebe primeiros socorros e realiza um teste de Vigor (Dif. 9), um sucesso já elimina o perigo e impede o vírus de se alastrar. Se o personagem não possuir mais pontos de dano agravado por mordidas, ele irá se recuperar normalmente. Ele agora é um portador, mas está fora de perigo imediato. Caso a mordida seja em um membro, a amputação imediata (em menos de um minuto) pode evitar o contágio: Role 1d10: resultado 1 ou 2 significa falha – o personagem agora está infectado e provavelmente morrendo pelo choque. Poder de Regeneração impede a infecção de se alastrar, mas até vencer a infecção do vírus seus poderes não irão curar o dano de mordida.

Outros tipos

Os ex-vivos não possuem raciocínio – apenas instinto. São lentos e desajeitados. Não veem direito, se guiando mais pelo som do que pela visão. Sua audição é muito boa, e todo ex-vivo possui algum tipo de sentido que permite perceber um ser vivo à menos de dois metros dele, desde que não hajam barreiras físicas entre eles. Sua pele adquire um tom de palidez que com o tempo se torna acinzentada. Ferimentos fatais não os derrubam, mas podem atrasá-los um pouco. Não são mais fortes ou resistentes do que quando vivos – na verdade é mais fácil causar danos em seus corpos, graças à perda de consistência causada pela decomposição (Vigor 1 para todo ex-vivo não especial).

Contudo, ex-humanos não precisam descansar, não param por nada, não desistem até serem completamente incapacitados ou destruídos. São imunes a medo, efeitos mentais e ilusões – mesmo as “reais”. A única maneira de vencer um ex-vivo permanentemente é destruir seu cérebro – embora quebrar sua coluna ou arrancar sua cabeça o impeça de continuar. A cabeça continuará funcional, mas a ameaça imediata termina.

Acertar o cérebro de um ex-vivo não é exatamente fácil, a menos que ele tenha sido danificado até Incapacitado. A dificuldade para atingir um zumbi e destruir seu cérebro é de 8 para ataques corpo a corpo, e 9 para ataques à distância. Apenas um ponto de dano na cabeça normalmente elimina o ex-vivo, mas danificar seu corpo apenas o reduz a Incapacitado – depois disto, continuar acertando o corpo é perda de tempo.

A força de um ex-vivo varia de 1 a 3, e a destreza nunca é maior do que 2 (exceto para ex-heróis – um ex-herói perde 3 pontos de destreza, mantendo um mínimo de 1 ponto, e não perde força, vigor e diversos tipos de poderes).

Em combate, um ex-vivo não é ameaça para praticamente qualquer pessoa normal. O problema está nos números: para cada humano vivo, existem centenas, milhares de ex-humanos. Superpopulação realmente se tornou um problema sério.

Hordas de ex-vivos podem derrotar até mesmo super-heróis, destruindo muros e prédios e causando devastação enquanto atraem ainda mais ex-vivos com o barulho. Dezenas e centenas de zumbis, todos atacando até serem reduzidos a nada, substituídos por outros imediatamente. Existe uma chance de se vencer uma horda – ainda mais com poderes especiais – mas a ela é sempre muito pequena.

Vai encarar ou correr?

Vai encarar ou correr? | Fonte: AMC Divulgação

No mais, ex-vivos se decompõe muito lentamente, podendo funcionar em clima ameno por três a cinco anos. Mais em climas frios, menos em climas tropicais. Mas essa é a média, não a regra. E ninguém sabe o quanto um ex-herói poderia se manter funcionando: se ele era a prova de balas quando vivo, e se manteve assim depois de morto, como saber como a decomposição o afetará? Além disso, consumir carne fresca de alguma forma estende a duração de um ex-vivo. Não há uma forma de se saber o quanto exatamente, mas a verdade é que funciona.

Dica para plot: e se um ex-vivo conseguir devorar um herói? Como isso o afetaria (o ex-vivo, não o herói…)?

Super zumbi

Será? | Fonte: otomozok, Deviantart

Resumindo: zumbis possuem sempre 1 de Destreza e 1 de Vigor, e só podem ser destruídos com danos ao cérebro. Sua mordida não é fatal: é altamente infecciosa. Pode ser tratada com antibióticos e um teste de Vigor (Dif. 9) do paciente. Se o personagem (ou NPC) morrer, ele retorna em 1d10 horas.

Usando as regras para humanos (Caçadores Caçados), seria possível usar o que passei para rolar uma aventura de humanos vs zumbis facilmente. Lá existem até algumas regras para poderes sobrenaturais, e se o Narrador quiser manter o clima de desespero sombrio de vampiro ele não precisaria se preocupar com novas regras para os heróis. Até mesmo uma campanha de vampiros neste cenário poderia ser interessante: mortais aceitariam a proteção de vampiros? Vampiros são imunes ao vírus? Se forem, eles podem se tornar portadores? Até onde vampiros iriam para proteger sua reserva de alimento? Afinal, zumbis não produzem sangue…

Bom jogo, e boa sorte sobrevivendo. Na segunda parte, Superpoderes!

Nestokun

Ernesto Luis “Nestokun” Grando

Ernesto Luis “Nestokun” Grando é Curitibano de nascença e moradia. Apaixonado por seu casal de gatos, livros (especialmente fantasia, ficção científica e terror), já leu – literalmente – milhares de títulos e é um RPGista natural. Narrador de Vampiro, Cthulhu e D&D, divide seu tempo entre mesas de RPG, livros, games (eletrônicos e de mesa) e, fazer o quê… trabalhar, cuidar da casa e viver.