Sistemas Complexos e a Regra de Ouro do RPG
As vantagens e desvantagens de cada abordagem na hora de começar a mestra RPG para seus amigos.
Por: Zamboman | 16/02/2019
Em um grupo lá no Facebook, um usuário fez a seguinte pergunta:
“Para um narrador iniciante, é mais difícil dominar um sistema com muitas regras ou saber aplicar a Regra de Ouro num sistema simples?”
Antes de responder, precisamos estabelecer o que é um “sistema com muitas regras“, um “sistema simples” e a “Regra de Ouro“.
A Regra de Ouro do RPG
Presente em muitos livros, a Regra de Ouro tem muito a ver com a diversão do jogo. No meio de uma cena narrativa ou combate por exemplo, ao invés de consultar o livro de regras, o mestre é incentivado improvisar para não cortar o fluxo do jogo. “Qual era mesmo a regra para lançar Bola de Fogo?” ou ainda “Como eu calculo mesmo o incremento de distância do meu tiro com rifle?”.
Perguntas assim podem quebrar completamente o clima da aventura, pois alguém vai parar para abrir o livro, ficar pesquisando por algum tempo, para só depois dizer: “ah, soma mais 1 em destreza e vamos em frente.”
Se essa rolagem não for decisiva para o desfecho da aventura ou para o destino de algum personagem ou NPC importante, improvise. Depois, com calma você pode consultar o livro e tirar as dúvidas de todos. Na próxima sessão vocês vão lembrar como aquela regra funciona (ou não).
Portanto, a Regra de Ouro tem muito a ver com improvisação, com conhecer as regras para, depois, quebrar, modificar ou ignorar em prol da narrativa.
Sistemas Simples
O que torna um sistema simples? Responder essa pergunta já é um desafio. Não existe um consenso ou definição gravada em pedra, mas podemos dizer de maneira geral, que um sistema é simples quando ele tem um conjunto de regras bem enxuto. Ele não vai prever todas as situações que podem acontecer durante um jogo, mas vai te dar orientações de como resolver situações mais genéricas.
Pra mim, um bom exemplo de sistema simples é o 3D&T da Jambô Editora. O sistema criado por Marcelo Cassaro e cia tem pouquíssimas regras, usa apenas um dado de 6 lados (1D6) e você consegue ler ele tranquilamente em uma tarde chuvosa de sábado, sem muito esforço. Simples e rápido de aprender. Para você ter ideia, as primeiras versões do 3D&T vinham junto com a antiga revista Dragão Brasil e tinham poucas páginas!
Sistemas Com Muitas Regras
Podem atirar as pedras, mas vou citar o D&D 3.5 (sim sou velho). Começando com regras para criar personagens, regras para criação de itens mágicos, regras para combates, regras para criar mundos, monstros e por aí vai. Se formos olhar a quantidade de suplementos que foram publicados no Brasil, a coisa fica ainda mais interessante (alguém falou classes de prestígio?).
Mesmo na sua atual versão, D&D continua tendo um livro destinado ao jogadores (Player’s Handbook) e outro para o mestre (Dungeon Master’s Guide), aprofundando (bastante) o que é mostrado para o mestre no livro do jogador. Cada livro tem mais de 200 páginas e se você quer virar um perito em magias, boa sorte. Vai passar um bom tempo lendo muito.
Isso não é necessariamente ruim. O fato é que você precisa dedicar um pouco mais de tempo para aprender o sistema a ponto de começar a jogar. Dominá-lo vai levar um pouquinho mais de tempo.
Começando (e se frustrando) como mestre
Muito bem, definições feitas, vamos voltar a nossa questão inicial. O que é mais fácil para quem está começando, improvisar com regras mais simples ou dominar um sistema mais complexo? Vejamos…
Sempre que encontro alguém que já jogou RPG, pergunto como foi sua experiência. O que jogou, com qual tipo de personagem e como era o mestre ou narrador. Essa última pergunta geralmente vem com algumas queixas, ou por que não tiveram uma boa experiência como jogador(a) ou por que se frustraram quando foram mestrar.
A frustração como jogador(a) muitas vezes está relacionada ao mestre que conduzia o jogo. A história era estranha, não sabia direito as regras, ficava olhando o livro toda vez, entre outras coisas.
Quando a pessoa tentou mestrar e depois desistiu, foi porque os jogadores sumiram ou porque achou o desafio alto demais. E quando questiono qual o sistema era usado/jogado, geralmente era um sistema tido com muitas regras (D&D, GURPS, Vampiro, etc…).
Geralmente quando estamos na posição de jogadores, não precisamos nos preocupar com várias regras e os detalhes delas, logo, temos a impressão que mestrar é fácil e está focado muito mais em como contar uma história do que lidar com um sistema inteiro. Para os veteranos essa premissa, muitas vezes, é verdadeira, mas muitos novatos acabam se apegando muito mais as regras do que deveriam e ainda por cima acabam esquecendo tudo o viram e ouviram quando eram jogadores.
Por isso, começar com um sistema mais enxuto em termos de regras pode ser mais proveitoso para quem está começando. São menos coisas para lembrar, menos contas para fazer e tudo fica mais fácil de consultar quando surge a dúvida. E mesmo assim, quando uma dúvida surgir, você deve se perguntar se vale mesmo a pena interromper a sessão para um consulta ao livro. Pare e pense no seu antigo mestre de RPG faria numa situação dessas ou apenas use o bom senso.
Keep it simple
Uma máxima que aprendi com o tempo é que as regras nem sempre resolvem tudo. Por mais que o seu sistema tenha regras para cavar buracos ou atacar usando um taco de golfe (o GURPS manda lembranças!), acredite, você não precisa delas na maioria das vezes.
Os jogadores sempre vão tentar alguma coisa maluca e inesperada que o sistema não previu. E o que você faz? Senta e chora? Abandona tudo e vai jogar video-game? Qualquer uma dessas opções seria extremamente confortável, mas que tal tentar imaginar como se resolveria isso usando o mínimo de regras possível? Quer um exemplo prático? Quando comecei a mestrar D&D, eu nunca tinha lido sobre ataques desarmados (socos, chutes e similares) em D&D. Sabia que era possível, mas não fazia ideia do que tinha que rolar até que precisei fazer. E o que eu fiz? “Rola um D20 e soma seu bônus de Força. Se acertou já joga um 1d4″.
Só fui ler essas regras de combate muito tempo depois e vi que meu raciocínio estava quase correto. Para o meu grupo aquilo fazia sentido e por isso ninguém foi atrás da resposta correta também naquela época (éramos todos jovens!!!).
Lançar magias? Eu só pergunto para o jogador se a magia dele tem algum aspecto visível ou se ele tem algum “modus operandi” para isso e deixo ele lançar, respeitando apenas o limite/quantidade. Prefiro mais, me divertir vendo meus jogadores criando efeitos mirabolantes para suas magias, do que ficar procurando no livro se tal magia tinha componente material ou gestual. O foco aqui não são as magias em si, mas se meus jogadores estão se divertindo com o jogo.
Simplificar alguns processos permite que você se concentre em outros aspectos do seu jogo. Com o passar do tempo, você vai acabar lendo mais regras (acredite), vai entendendo melhor como algumas mecânicas funcionam e pode, gradativamente, ir incrementando o seu modo ou estilo de mestrar.
Por isso, não se sinta frustrado se você não conseguir encarar aquele livrão de 300 e poucas páginas. Isso é mais normal do que você imagina. E se esse for o seu caso, tente começar só com as regras mais básicas do sistema. Ou você pode optar por um sistema mais simples, até pegar o jeito de conduzir o seu jogo e depois migrar.
Tudo é possível quando se trata de jogar RPG.
Marcelo JK “Zamboman”
Jogador e Mestre de RPG desde a época em que os dinossauros caminhavam pela Terra. Fã de ficção científica, mestre de Star Wars Saga e mestre em tirar aventuras improvisadas da cartola.