O gênero Horror e o RPG
Conheça um pouco mais sobre o Horror e Terror, junto com os seus subgêneros mais famosos.
Por: Ghost | 30/10/2020
Salve, salve, aventureiros!
Não é segredo para ninguém que os primeiros RPGs publicados tinham a temática de fantasia medieval (D&D e afins), e esse continua sendo, de longe, o gênero mais popular dentro do hobby. As dezenas de sistemas existentes e os milhares de suplementos lançados focados nesse gênero não me deixam mentir.
Porém, existe um outro gênero que também é bastante procurado pelos RPGistas: o gênero de Terror/Horror.
Aqui cabe uma observação: há uma certa discussão sobre a diferença entre os dois termos, mas uma consulta ao dicionário diz que terror é “Característica do que é terrível; estado de pavor” e horror é “Forte impressão de repulsa, acompanhada ou não de arrepio, gerada pela percepção de algo ameaçador; Sentimento de nojo, de aversão, de ódio; sentimento profundo de incômodo ou receio“. Dessa forma, ao longo do artigo daremos preferência ao termo Horror.
Curiosamente RPGs desse gênero são quase tão antigos quanto o próprio D&D. O Chamado de Cthulhu foi publicado originalmente em 1981, ou seja, apenas 7 anos após a primeira publicação do RPG mais clássico de todos e até onde consegui pesquisar, foi o primeiro RPG focado em horror a ser publicado, e certamente o mais longevo.
Já o primeiro romance de horror (ou o que fundamentou o gênero) foi O Castelo de Otranto, do escritor Horace Walpole, publicado originalmente em 1765.
Não muito tempo depois o gênero foi consolidado na era de ouro da literatura gótica, que nos presenteou com obras como Drácula, de Bram Stoker, O Estranho Caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde, de Robert Louis Stevenson (traduzido no Brasil muitas vezes como “O Médico e o Monstro”), e O Retrato de Doryan Gray, de Oscar Wilde.
Assim como qualquer outro gênero, o horror tem uma série de subdivisões, e nem todas tem o mesmo impacto em todas as mídias (sim, RPG é um tipo de mídia, e também um tipo de arte).
Sangue e Tripas
Provavelmente um dos subgêneros mais populares, o Gore se caracteriza por um fortíssima exposição de sangue e vísceras, com personagens sendo mortos das formas mais cruéis.
Em alguns casos a coisa é realmente perturbadora, como em filmes no estilo O Albergue (Hostel, no original) ou a série de filmes Hellraiser (Pinhead manda lembranças!).
Em outros a coisa é, mas nem sempre voluntariamente, mais leve. Aqui citamos as dezenas de Sexta-feira 13, A Hora do Pesadelo, Halloween e outros clássicos oitentistas.
De forma não surpreendente, esse não é um estilo muito comum na literatura, pois a descrição do gore tende a ser mais chocante que a própria visão. Poucas pessoas tem interesse em ler parágrafos e mais parágrafos de detalhes sobre ferimentos profundos. também é difícil encontrar RPGs com esse foco, já que número de interessados é bem restrito.
Entretanto, o gênero pode render excelentes one-shots quase 100% improvisadas, principalmente se seguir a linha dos slash movies (como o já citado Sexta-feira 13). Peça para os jogadores fazerem personagens jovens (na faixa de 16 até, no máximo, 20 anos), preferencialmente todos estudando na mesma escola, ou morando no mesmo bairro, ou outra forma de se conhecerem direta ou indiretamente.
Coloque vários NPCs e abuse dos clichês aqui: a dupla de amigos fãs de marijuana, a loira líder de torcida, o atleta galã d escola, o grupo de desordeiros e por aí vai. Em seguida, coloque uma festa na casa de algum deles e alguém tendo a brilhante ideia de emendar com um final de semana no lago. Nesse momento os jovens começam a ser mortos um a um, das maneiras mais brutalmente criativas que você conseguir imaginar.
Caso tenha acesso ao suplemento GURPS Horror (ainda achável com sorte sebos ou na Estante Virtual), na página 75 há uma descrição maravilhosa do arquétipo do Assassino Psicótico.
Este que vos fala já mestrou um cenário seguindo exatamente a receita acima, e foi bem divertido! Só lembre-se: nunca é fácil de fugir do local onde a matança está acontecendo (provavelmente a primeira coisa que o assassino fará será sabotar todos os carros disponíveis… hehehe…). E um segundo conselho é, sempre certifique-se de que todos os envolvidos estão dispostos a jogar esse tipo de aventura.
Cultistas, Seitas e Religiosidade
Durante alguns anos, no final da década de 1990 e início da de 2000, o horror religioso foi praticamente um subgênero marcante no cinema. Filmes como Stigmata, Dominação, Devorador de Pecados, O Exorcismo de Emily Rose (ok, a rigor esse último é um filme de julgamento, mas vocês entenderam) colocava uma dose bem mais alta de suspense, com características bem menos visuais que os filmes representantes citados no parágrafo anterior.
Esse subgênero trabalha muito com a questão da fé (ou da falta dela), podendo apresentar gatilhos para algumas pessoas que possuam sensibilidades específicas. Aqui novamente, certifique que todos na mesa estão de acordo com a abordagem do jogo.
Não saberia dizer por qual motivo, esse tipo de horror ficou sido tão popular naquela época. Talvez fosse apenas o zeitgeist da mudança do milênio, mas o fato é que na literatura sempre foi bastante popular. Inclusive, para quem não sabe, o clássico filme O Exorcista é um livro que foi adaptado para o cinema (sempre é bom lembrar). Conheço pessoas que nunca conseguiram ler até o fim, de tão assustador… (mas talvez não seja tanto, para quem está vivendo em 2020….).
Levando para o lado RPGista da coisa, Chamado de Cthulhu e Vampiro: A Máscara são dois jogos que, na minha opinião, encaixam perfeitamente na proposta desse subgênero (o segundo talvez um pouco menos). Agora, uma coisa bem diferente a se fazer, seria adaptar esse contexto para a fantasia medieval no estilo de D&D. O maior desafio seria fazer os jogadores entenderem que combate NÃO é a primeira opção. Nem a segunda. Nem a terceira. E colocar a fé do clérigo do grupo em xeque seria algo bem interessante de se ver.
Psicológico
Pessoalmente, é meu subgênero preferido. E com a vantagem de poder se misturar com vários dos outros. O grande lance aqui é mostrar a ameaça o mínimo possível, apenas alguns flashes. Acreditem: isso cria um imenso suspense.
Filmes como O Chamado e até mesmo o primeiro Jogos Mortais se enquadram nessa categoria (ao meu ver). Aqui o que te assusta não é o que você vê, mas sim o que você não consegue ver mas, de alguma forma, sabe que está lá.
Em termos de jogo, quando usar essa abordagem, adie ao máximo o momento de revelar a ameaça. Trabalhe com sombras, pequenas dicas de que há sempre algo à espreita. Essas dicas podem ser alguém sempre observando, ou as coisas estarem fora do lugar quando os personagens voltarem para o ambiente (mesmo após poucos minutos de ausência). Também podem ser fenômenos estranhos, como de repente encontrar o ambiente todo molhado, ou coberto de folhas.
Horror Investigativo
Outro subgênero que prezo muito. Aqui existe uma fórmula mais ou menos padrão. O protagonista (ou o grupo, no caso de um cenário de RPG) descobre uma ameaça sobrenatural. Essa ameaça, entretanto, não pode ser combatida simplesmente com tiros ou coisas assim. É preciso descobrir sua origem, sua fraqueza e a uma forma como acabar ou impedir a ameaça. É muito comum nesse tipo de aventura que o jogadores precisem realizar algum tipo de ritual (em um sentido amplo) que será capaz de pôr fim à ameaça ou criatura.
Um dos melhores exemplos modernos dessa narrativa é exatamente O Chamado (já citado no tópico anterior). Samara é a ameaça. A pessoa tem 7 dias para descobrir como se livrar da maldição (gerando o sentido de urgência, tão importante nessas obras). A “cura” está diretamente relacionada à origem da maldição, gerando necessidade de viajar até lugares remotos para chegar ao fundo do mistério.
Horror dentro de outro gênero
Como visto até agora, muitas vezes o subgênero de horror não é claro, com uma mesma obra podendo apresentar características de (e se enquadrar em) mais de um subgênero.
A lista de exemplos é imensa, mas um clássico que gosto bastante é o filme Alien, o 8° Passageiro. Esse é um filme de horror dos bons, contando com altíssimas doses de suspense, alguns bons jump scares, e um monstro. Isso tudo devidamente travestido de Ficção Científica.
Em uma pegada semelhante temos o recente A Maldição da Mansão Bly em que, apesar de o título entregar o gênero, se trata muito mais de uma história de amor, mas recheada de momentos de suspense e horror.
O segredo para narrar uma história desse tipo é não avisar aos jogadores que se trata de uma sessão de horror. Peça (ou forneça) personagens de um determinado tipo, para uma determinada época (investigadores do FBI modernos, gângsters dos anos 20, pessoas comuns na Inglaterra Vitoriana) e, aos poucos, direcione a história para o mistério e, por fim, o horror.
Curiosamente, o subgênero de horror cósmico (criado e consolidado pelo mestre H.P. Lovecraft) muitas vezes se vale dessa estrutura. “Um Sussurro nas Trevas” tem uma crescente maravilhosa em direção ao horror e à loucura, mas começa de uma maneira absolutamente mundana.
Abraços e até a próxima!
Henrik “Ghost” Chaves
Henrik “Ghost” Chaves é fã de D&D (mas acha que a edição 3.5 foi a melhor de todas) e de tudo relacionado aos Mitos de Cthulhu. Música (rock), literatura (fantástica), cinema (pipoca) e boardgames (modernos) estão entre seus outros hobbies.