Mestrando para grupos grandes
Quando o número de jogadores é grande, algumas coisas precisam mudar.
Por: Zamboman | 10/12/2017
A Dragão Brasil 125 trouxe uma matéria muito boa sobre como adaptar aventuras para diferentes níveis e números de jogadores. Em certo momento Marcelo Cassaro comenta sobre a dificuldade de se mestrar para um número grande de jogadores ao mesmo tempo. De imediato lembrei de minhas mesas de Star Wars D20 Saga, em uma delas cheguei a ter 8 jogadores!!!
E aí fica a pergunta: como mestrar de forma satisfatória (ou não) para tanta gente? Será que é possível? E a resposta mais curta é: depende.
Como tudo começa
Geralmente uma mesa de RPG tem entre 3 a 5 jogadores e o que pode ser considerado uma mesa grande ou não varia muito de grupo para grupo e até mesmo de pessoa para pessoa.
Tudo começa com os amigos que trazem mais amigos ou parentes ou para jogar ou simplesmente para conhecer o jogo, mas que depois acabam ficando. Ou ainda aquele membro do grupo que agora está namorando e traz a sua “cara-metade” para a mesa. Seja qual for a situação, se você é como eu e não sabe dizer não nessas horas, prepare-se, pois sua mesa vai aumentar.
Primeiros passos
Regra número 1: acostume-se a perder o controle e o interesse dos jogadores durante a sessão.
Quanto antes você aprender isso, mais fácil vai ser se preparar para que isso não se repita. Lembro que em minhas primeiras sessões de jogo, era muito comum eu contar uma história ou descrever uma cena e minutos depois um dos jogadores me perguntar tudo de volta. O motivo? Ele estava batendo papo com o outro jogador.
Em grupos grandes é muito mais difícil manter a atenção de todos. Se as pessoas têm os mais variados interesses na vida, porque seria diferente durante uma sessão de RPG? Sempre vai existir o jogador que prefere o combate à narrativa, por exemplo. Então por mais que você se esforce para criar um roteiro digno de um filme de Hollywood, pode ser que você não consiga a atenção de todos os participantes, e isso é normal.
E aqui fica o gancho para a regra número 2: preste mais atenção no que os seus jogadores gostam em suas aventuras. Se eles toparam jogar com você é porque acreditam que você é um bom mestre. Por mais que a desculpa “preguiça”ou “falta de conhecimento do sistema” sejam as campeãs, acredite em mim, se os seus jogadores não gostassem do seu jeito de mestrar, eles já estariam em outra mesa.
Então dê mais ouvidos a eles e traga os pedidos para sua mesa de jogo. Narrativas? Combates? Testes de Perícias? Enigmas? Tente trazer um pouco de cada coisa que seus jogadores gostam e você vai conseguir manter o interesse deles por mais tempo. É claro que não precisa ser tudo na mesma sessão. Aproveite essa diversidade de temas para diversificar também as suas aventuras.
Voltando a minha mesa de Star Wars, lembro-me de um jogador que adorava roleplay e um outro que adorava combate. Pois bem, fiz uma sessão onde eles dependiam do roleplay para enganar um Senhor do Crime, mas que depois que foram descobertos (porque o plano deles era muito, mas muito ousado!) eles precisavam de todas as perícias de combate dos demais jogadores. No final todos se divertiam.
Jogadores demais, coisas de menos
Já ouviu aquele ditado que diz: “às vezes, menos é mais?”. Uma coisa que aprendi mestrando para um grupo grande é que muitas coisas precisam ser simplificadas. Testes de perícia e habilidade por exemplo não precisam seguir todas os detalhes descritos no seu livro básico. Se você esquecer algum detalhe, leve em consideração a cena que está narrando no momento e use o bom senso. Isso vai tornar as coisas mais dinâmicas e você não precisa ficar parando a aventura a cada instante.
Novamente em Star Wars, o grupo estava no meio de um combate contra um dos vilões da campanha. Já haviam perdido boa parte dos recursos e pontos de vida, a morte para alguns deles parecia certa. Naquela altura, todos estavam envolvidos no combate, cada rolagem de dado com sucesso era comemorada. Até que um dos jedi do grupo conseguiu agarrar o oponente e numa ação desesperada resolveu dar um salto para cima, usando a força, deixando o inimigo cair de uma altura suficiente para matá-lo.
Pois bem, achei a manobra ousada, mas pedi que o jogador fizesse o teste. Seguindo as regras, talvez ele não conseguisse saltar a uma altura suficiente sem se machucar muito no retorno ao solo, e a rolagem pedia algumas contas para saber a altura exata do salto e o dano sofrido em caso de queda, por exemplo. E tudo isso faria com que eu tivesse que parar a rodada para consultar o livro de regras.
Em alguns casos, essa pausa dramática para consultar as regras pode até gerar uma expectativa e contribuir para a aventura, mas ela precisa ser rápida. Caso ela demore muito, você perde todo o clímax gerado.
O que eu fiz foi simplificar as regras e usar o bom senso da cena. O jogador rolou os dados usando todos os bônus possíveis naquele momento, garantido o seu sucesso. A consequência? Descrevi com detalhes a cena onde ele saltava em direção aos céus, sumindo por alguns instantes, enquanto o inimigo caia rapidamente em direção a uma morte agonizante. Quanto a queda do personagem, apenas considerei que, como ele havia obtido sucesso em sua rolagem inicial, seu retorno ao solo também foi um sucesso, digno de uma cena dos filmes ou dos jogos de Star Wars.
Até hoje os jogadores lembram dessa cena. Ela com certeza ganhou um cantinho cativo na memória deles.
Atire primeiro, pergunte depois
Para combates, costumo usar as regras a cima. Sempre me pergunto o que realmente importa naquele momento. Se os oponentes são apenas um obstáculo momentâneo, faça com que ao menos cada jogador tenha o seu momento de ação durante o combate. Às vezes 2 ou 3 rodadas são suficientes para que todos rolem dados e testem suas perícias. Não se apegue as estatísticas deles, simplesmente faça o combate durar tanto quanto for necessário.
Nas primeiras sessões eu costumo colocar combates mais simples para ver como os meus jogadores se comportam. Assim, nos próximos encontros eu já sei se preciso rolar mais dados, prestar mais atenção aos pontos de vida dos NPCs e/ou dos jogadores, ou se preciso colocar algum item valioso para chamar a atenção de todos.
A menos que seja extremamente importante usar regras de combate, sejam elas avançadas ou não, procure pensar no dinamismo e o desafio que o combate deve oferecer. Na campanha de Star Wars que eu mestrava, os confrontos com capangas serviam para quebrar uma cena de longa descrição ou após um longo roleplay, ou ainda quando eu precisava diminuir os recursos dos jogadores para a próxima etapa da aventura.
Ah, mas eu tenho outros objetivos
Outro ponto crucial quando falamos de grupos grandes, são os objetivos pessoais de cada personagem. Alguns jogadores estão ali pela aventura em si e agem de acordo com o que o mestre lhes oferece. Porém, para alguns, isso apenas não basta. Eles querem que seus personagens interajam com o mundo, tenham suas próprias motivações para estarem ali. O grande erro da maioria dos mestres é ignorar esses fatos ou tratá-los de forma simplista.
Procure aproveitar ao máximo as ideias que os jogadores trazem para a mesa. Você vai ver como eles passam a prestar mais atenção aos acontecimentos da aventura, quando seus personagens são os agentes causadores da mudança.
Claro que isso nem sempre é um trabalho fácil, mas com um pouco de paciência e prática você verá que o resultado valerá a pena.
Mais uma vez, voltando a minha campanha, um dos jogadores queria ter uma profissão no jogo, algo que pudesse esconder sua verdadeira ocupação como negociante do submundo. Logo na primeira sessão ele veio pedir para que seu personagem tivesse um ferro-velho, que serviria como fachada para algumas atividades ilegais. No início aceitei sem pensar muito a respeito, mas com passar o jogo os demais jogadores passaram a usar o local como esconderijo também. Aos poucos fui tornando o ferro-velho conhecido no mundo de campanha, tanto pelas peças únicas que só ele possuía, bem como pelas “pessoas famosas” que sempre eram vistas circulando pelo local. Não demorou muito para que várias side-quests surgissem a partir dali, o que rendeu boas aventuras extras, algumas até sem relação direta com a aventura principal.
Unidos, somos mais fortes
Evite ao máximo separar os personagens num grupo grande, simples assim. Isso evita inúmeras dores de cabeça, como gerenciamento do tempo de jogo e anotações paralelas para cada grupo. Porém, o pior talvez seja a dispersão dos jogadores. Enquanto você está focado interagindo com um grupo, o outro vai começar com conversas paralelas e coisas que não tem relação com o jogo. E não se preocupe, isso é normal.
O verdadeiro problema está quando eles voltam para a mesa do jogo. Muitas vezes os jogadores esquecem o que estavam fazendo ou simplesmente não prestam atenção aos detalhes do jogo.
Então tente ao máximo manter o grupo sempre junto, ou se precisar que eles se separem, que seja por pouco tempo. Um truque que ajuda a manter o grupo unido é sempre dar indícios que eles vão precisar das informações ou habilidades de cada personagem. Pode ser que para entrar no esconderijo das forças imperiais eles precisem dos contados do Nobre do grupo. Já para enganar os guardas será preciso a lábia dos Vigaristas do grupo. Para arrombar o cofre com os segredos da nova base sem acionar os alarmes, vão precisar contar com a experiência dos Caçadores de Recompensas e para sair em segurança, nada melhor do que estar acompanhado dos Soldados do grupo.
Com um pouquinho de planejamento é possível manter todos os jogadores unidos em prol de um objetivo comum.
O benefício da ausência
Agora, um ponto positivo em ter um grupo grande é quando um dos jogadores falta. Na maioria dos grupos, quando isso ocorre não temos sessão ou o personagem do jogador ausente via um NPC temporariamente.
Com grupos grandes você pode adotar a mesma tática do NPC ou assumir que o personagem teve que se ausentar para tratar de assuntos pessoais. Esse recurso é muito usado em desenhos ou seriados onde um dos membros do grupo não é fixo.
O interessante é que isso abre espaço para uma aventura “one shot” com o jogador faltante, por exemplo, ou dá ao mestre a oportunidade de criar uma trama paralela que pode ou não ser usada futuramente. Se não for possível jogar, descreva para o jogador, em linhas gerais, o que ocorre nesse período em que o seu personagem esteve ausente e deixe que os demais jogadore contem o que eles fizeram nesse mesmo período. Às vezes, a falta de precisão nas descrições são um prato cheio para um mestre criativo.
Anteriormente, na sua campanha
Esse é um item que eu gosto bastante, peça feedback dos seus jogadores sobre as sessões de jogo. Isso ajuda a identificar quais foram os pontos fortes e fracos da sua narrativa, além de entender melhor o que eles gostaram ou não.
Eu costumo fazer isso de forma individual e anônima, sempre depois da sessão. Crio um formulário via Google Docs perguntando pontos fortes e fracos da aventura, o que poderia ter mais na próxima sessão (combates, roleplay, etc…), o que o jogador está achando do personagem dele, se ele tem algum comentário a respeito das minhas atitudes/decisões durante a partida e se tem também algum comentário sobre os outros jogadores. Envio por e-mail para os jogadores e peço para me responderem até 1 dia antes da próxima sessão.
Com isso, senti que os jogadores começaram a se importar mais com o que estava acontecendo na aventura, pois sabiam que “seriam ouvidos” em algum momento. E também me ajudou a resolver algumas situações complicadas entre os próprios jogadores.
Assim consegui levar várias sessões com esse grupo de 8 jogadores. Espero que essas dicas ajudem você também a levar ainda mais longe o seu grupo.
Marcelo JK “Zamboman”
Jogador e Mestre de RPG desde a época em que os dinossauros caminhavam pela Terra. Fã de ficção científica, mestre de Star Wars Saga e mestre em tirar aventuras improvisadas da cartola.