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Dicas de Game of Thrones para sua mesa de RPG

As ideias e recursos narrativos utilizados em Game of Thrones diretamente para a sua mesa de jogo.


Por: Mantsor | 09/05/2019

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50 Plots para Aventuras de RPG

Aproveitando todo o clima de discussões e teorias que têm cercado a última temporada da série Game of Thrones, nada melhor do que nos debruçarmos sobre essa incrível criação literária de George R. R. Martin para analisarmos as ideias e recursos narrativos empregados nessa história, que podem ser úteis para aventuras de RPG.

A ideia aqui não é ensinarmos você a criar uma história ambientada em Westeros. Se você quiser utilizar esse cenário em suas aventuras, recomendamos o RPG Guerra dos Tronos, disponibilizado em português pela Jambô Editora.

A proposta é explorar elementos e conceitos típicos das Crônicas de Gelo e Fogo, porém que não são muito comuns na maioria dos cenários de RPG. Embora as ideias discutidas aqui possam ser utilizadas em qualquer tipo de cenário, vamos nos concentrar em exemplos de fantasia medieval.

Você também pode jogar o RPG oficial. | Fonte: Jambô Editora

Você também pode jogar o RPG oficial. | Fonte: Jambô Editora


Atenção: se você não assistiu a série (até a sétima temporada) ou não leu os livros, poderá encontrar spoilers adiante.


Diferentes facções em conflito

O tema central que movimenta a maior parte dos eventos em Game of Thrones são as casas nobres, com seus conflitos de interesses, que motivam todo tido de alianças, traições, guerras, disputas políticas, assassinatos e sequestros.

Esse conceito de facções rivais, que são o motor narrativo das histórias, é na verdade bastante recorrente nos jogos de RPG do Mundo das Trevas. Os maiores exemplos são os Clãs de Vampiro, as Tribos de Lobisomem e as Tradições de Mago. Cada um desses grupos possui suas próprias regras, hierarquia, interesses, inimigos, aliados e eventualmente uma ou mais áreas de domínio.

Porém quando pensamos em jogos no “estilo D&D”, esse é um tipo de conceito muito pouco explorado, quando não totalmente ignorado. Na maioria desses cenários temos sempre algum tipo de divisão em reinos, feudos, países ou impérios. Por outro lado, suas descrições costumam se limitar a aspectos mais estáticos, como língua, costumes, povoações e área territorial.

Questões políticas, alianças, rixas e eventos mais dinâmicos, tais como conflitos armados e guerras “não declaradas” geralmente são tratados apenas como um pano de fundo para as aventuras. Outros tipos de grupos que podem gerar esse tipo de dinâmica em campanhas de fantasia medieval são as guildas, as escolas de magia e as ordens divinas.

Um dos poucos exemplos que se aproxima do que vemos nas Crônicas de Gelo e Fogo é o cenário Birthright, de AD&D 2ed. Nele temos o continente de Cerilia, dividido em diversos domínios (que podem ser reinos, guildas, templos ou domínios mágicos). Cada domínio é controlado por um Regente, que na maioria dos casos pode ser um personagem jogador. Para tornar tudo ainda mais épico, os regentes são descendentes de diferentes Linhagens, que representam uma descendência divina de antigos heróis.

Casas rivais se enfrentam o tempo em Guerra dos Tronos

Casas rivais se enfrentam o tempo em Guerra dos Tronos. | Fonte: Pinterest

Então como criar facções interessantes para o seu cenário favorito? Existem duas opções: você pode criar novas ou detalhar / modificar as existentes. Responder a três perguntas básicas já o ajudará bastante nesse processo.

Qual o domínio ou área de influência da facção? Pode ser tão extenso quanto um vasto Império (Os Sete Reinos) ou restrito como um bairro de uma cidade. Essa influência não precisa necessariamente estar associada ao governo / posse de terras, podendo estar ligada na verdade ao controle de alguma atividade realizada numa região, como é o caso das guildas, escolas de magia e ordens religiosas (A Guilda do Homem Sem Rosto).

Quais os recursos ou fontes de poder que ela controla? Pode ser algum tipo de riqueza material (o ouro de Rochedo Casterly), uma posição estratégica (A Travessia no rio Ramo Verde) ou mesmo conhecimento (a biblioteca da Cidadela). O tipo de recurso aqui obviamente determinará o quão poderosa e influente será uma facção. Um reino que possui diversas minas de ouro provavelmente conseguirá mais poder que um reino que é basicamente um feudo agrícola.

Qual a sua relação com outras facções? Ao responder essa pergunta, não pense apenas em respostas claras como inimigos, aliados e neutros. Tente criar relações mais “obscuras” e complexas entre as facções. Por exemplo, as casas A e B são historicamente rivais, porém em uma eventual guerra entre A e C, A poderia forjar uma aliança temporária com B, explorando um ódio antigo entre B e C. Um exemplo assim em Game of Thrones você tem com A = Lannister, B = Bolton e C = Stark. No escudo do mestre da caixa de Planescape (outro excelente cenário de AD&D 2ed) existe uma tabela de reações entre as diversas facções de Sigil (ao todo são 16 facções, com reações classificadas em cauteloso, amigável, hostil, neutro e ameaçador).

Morte de personagens importantes

Outra marca registrada das histórias de George R. R. Martin é a morte recorrente de personagens considerados importantes para a trama como um todo. O resultado é que geralmente essas mortes são absolutamente inesperadas e acabam sempre causando grandes reviravoltas (Eddard Stark, Tywin Lannister e Margaery Tyrell são alguns exemplos emblemáticos).

Já discutimos em um outro artigo algumas opções que envolvem a morte dos personagens jogadores. Porém, a proposta aqui não é acabar com os personagens dos jogadores e sim com outros personagens que possuem alguma forte influência na aventura e que os jogadores não esperam que tenham um destino trágico.

Por essa ninguém esperava!

Por essa ninguém esperava! | Fonte: Reprodução

Os desafortunados podem ser personagens muitos próximos e familiares: um parente de um dos PJs, o taverneiro, um mentor, um aliado de outras aventuras etc. O choque nesse caso ocorrerá, pois, são personagens com os quais os jogadores estão acostumados a conviver e dependiam de alguma forma. Porém, matar esse tipo de personagem não costuma ser algo tão incomum, já que o impacto na aventura geralmente é mais psicológico do que prático.

As coisas começam a ficar mais surpreendentes quando um personagem extremamente poderoso ou vital para o andamento da aventura morre. A imaginação (ou insanidade) do mestre aqui é o limite: quanto maior o impacto e/ou reviravolta provocado, melhor.

Os aventureiros foram contratados para resgatar a princesa? Infelizmente ela foi assassinada. O general que iria comandar o exército numa batalha decisiva foi apunhalado pelas costas. Quem vai assumir o comando? O rei que tinha dado salvo-conduto para os personagens morreu envenenado. Não só a passagem deles pelo reino agora não está garantida, como eles podem ter se tornado suspeitos. O único mago que conhecia a cura para uma doença mágica foi morto por um rival. Onde os personagens irão buscar a cura agora?

Personalidades cinzentas

E finalmente vamos abordar aqui outra característica pouco comum em Dungeons e Dragons e seus derivados, sobretudo nas edições mais antigas. Esses jogos de fantasia sempre foram tradicionalmente bastante maniqueístas em seus conceitos, já discutimos inclusive, a interpretação das tendências aqui.

É comum o grupo de aventureiros (representado a bondade e a justiça, ainda que alguns possam ser mais egoístas) ser enviado em algum tipo de missão que tenha como objetivo acabar com algum grande mal (um feiticeiro maligno, um bando de ladrões, um culto perverso, um dragão ameaçador, etc.). Dificilmente temos o oposto (onde os personagens são inerentemente malignos) ou mesmo histórias mais cinzentas, onde não existe uma distinção clara entre bem e mal e os personagens não possuem um “alinhamento” definido ou que muda ao longo da aventura. Mesmo a sistemática de “backgrounds” da quinta edição, que flexibilizou o uso dos alinhamentos acaba sendo algo que amarra um pouco o comportamento dos personagens.

Em Game of Thrones é extremamente comum não termos certeza do que é o certo ou errado e também é muito difícil prever o comportamento de diversos personagens, pois eles estão em constante evolução ao longo da história, influenciados por diversos eventos. Temos algumas exceções, principalmente malignas (obviamente é o caso da Rainha Cersei e do Rei da Noite), mas em geral as personalidades de GoT são bastante cinzentas e mutáveis.

Difícil saber em que lado ele realmente está

Difícil saber em que lado ele realmente está. | Fonte: Reprodução

Por exemplo, Tyrion Lannister começa como um personagem extremamente egoísta, que comete atos malignos (assassina o próprio pai), passa por diversas provações e acaba se tornando um personagem bastante honrado e justo como Mão da Rainha Daenerys. E por falar em Daenerys, essa personagem é um poço de controvérsias – começou sofrendo imensamente sob a tutela de seu irmão e acabou por se tornar uma rainha impiedosa que, apesar de ter um grande senso de justiça, raramente poupou seus inimigos. Essa personalidade difícil e obstinada continua evoluindo pela fixação no Trono de Ferro e a torna uma personagem com a moral cada vez mais questionável. Outro personagem que possui um arco de história extremamente dramático na série é Theon Greyjoy. Ele começa como um “prisioneiro” dos Stark, se torna o algoz deles, sofre terrivelmente na mão dos Bolton e acaba por se reencontrar com sua família, o que culmina com a sua redenção, num desfecho absolutamente heróico para o personagem.

Criar uma aventura ou campanha com esse aspecto “cinzento” pode ser um grande desafio tanto para mestres quanto para jogadores. O jogo certamente adquirirá um clima maior de incerteza e tensão, pois não será trivial identificar inimigos e aliados. O fluxo da história poderá ser alterado bruscamente devido a ações inesperadas de personagens dos jogadores ou do mestre. Porém, não confunda isso com caos ou total livre arbítrio – a menos que os personagens sejam totalmente loucos, eles ainda serão pautados por objetivos – o que ocorre é que esses objetivos podem não ser claros, podem ser conflitantes ou podem mudar com o tempo, fruto da interação com outros personagens ou da ocorrência de eventos (geralmente traumáticos).

A sugestão final aqui é tentar trazer um pouco do clima de jogos mais focados na narração e interpretação do que no combate e exploração. Criar um histórico complexo e aprofundado para os personagens poderá ajudar, mas acima de tudo a ideia é não se ater a conceitos rígidos para guiar as ações dos personagens. Faça com que eles se envolvam de modo pessoal com a trama e sejam sujeitos a influências externas.

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Robertson “Mantsor” Schitcoski

Robertson “Mantsor” é engenheiro de computação e mora em Brasília. Ingressou no mundo do RPG mestrando todo tipo de cenário em GURPS, que é o seu sistema de estimação. Hoje prefere Chamado de Cthulhu, que já lhe rendeu algumas das melhores experiências com o hobbie.