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Coronavirus, epidemias e pandemias diretamente para o seu RPG

Entendendo os diferentes níveis de uma doença, como prevenir e como usar essas informações em jogo.


Por: Zamboman | 30/04/2020

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Mestre RPG

COVID-19. Nos últimos meses nenhum termo tem sido tão buscado e pesquisado pelas pessoas. Trata-se de uma nova doença, até então inédita em seres humanos. O nome coronavírus representa, na verdade, toda uma família do vírus que se espalha hoje pelo mundo. Como exemplos temos também a SARS (China, 2002) e o MERS (Oriente Médio, 2012).

O novo coronavirus é irmão do Sars-Cov-1, que apareceu na China em 2002. Seu nome vem de um termo em inglês que significa “severe acute respiratory syndrome coronavirus 1”, que numa tradução direta seria algo como Síndrome Respiratória Aguda Grave do Coronavírus 1.

Já o termo COVID-19, também vem do inglês, COrona VIrus Disease e o número 19 vem do ano da sua descoberta, ou seja, 2019.

Ainda vamos ouvir falar muito desse vírus e seu impacto no mundo, seja ele social ou econômico. O mundo que você conhecia no início de 2020 nunca mais será o mesmo.

A despeito de todo o impacto e caos que isso vem gerando, aumentou também o interesse das pessoas em outros tipos de pandemias e epidemias, além é claro, de suas consequências. Então, antes de mais nada, vale estabelecer alguns conceitos aqui.

Pandemias

A humanidade já enfrentou outras doenças no passado, como a Peste Bubônica. | Fonte: Artstation.

Surto

Quando um determinado tipo de doença afeta apenas uma região específica e o número de casos registrados é maior do que o previsto pelas autoridades sanitárias, dizemos que está ocorrendo um surto daquela doença. No Brasil, talvez o exemplo mais atual seja a dengue.

Epidemia

Quando um surto ocorre em mais de uma região, falamos em epidemia. Ela pode ser municipal, ocorrendo em diversos bairros, ou ela pode ter um nível estadual, quando é identificada em várias cidades. Já quando a epidemia começa a ocorrer em vários estados, dizemos que ela alcançou o nível nacional.

Pandemia

Pandemia é o que enfrentamos hoje com novo coronavírus ou que já enfrentamos no passado com a “gripe suína”, mais conhecida como H1N1. A gripe começou como uma epidemia e, quando começou a ser registrada em outros países, passou para o status de pandemia.

Existe ainda um quarto tipo de manifestação das doenças que é a Endemia. Uma doença é dita endêmica, quando ela costuma ocorrer com muita frequência num mesmo local, não sendo registrada em outros. A malária, por exemplo, pode ser considerada uma doença endêmica da África.

Vida real e ficção

Esclarecidas as diferenças, vamos as fontes de informação e inspiração para que você possa entender um pouco mais como epidemias e pandemias funcionam. Do paciente zero até a cura, muita coisa pode dar errado.

Gripe Espanhola

Originada em 1918, ao contrário do que muitos imaginam, a Gripe Espanhola não teve origem na Espanha. Sua real origem nunca foi determinada, mas os indícios históricos apontam para EUA ou China.

Estima-se que mais de 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população mundial na época, foram infectadas. Já no número de mortes, a divergência de dados é maior. Algumas fontes citam  de 17 milhões a 50 milhões, e outras que possivelmente, o número de mortos passou de 100 milhões. Data a época em que a doença ocorreu, os registros oficiais nem sempre eram fáceis de se conseguir. Se você não se atentou à data, estamos falando da Primeira Guerra Mundial, ou a Grande Guerra, como era conhecida na época.

Retrato de um hospital de campanha durante a Gripe Espanhola nos EUA. | Fonte: Wikipedia.

O fato é que o primeiro caso registrado da doença foi o do cozinheiro Albert Gitchell. Ele foi internado, com sintomas de gripe, na enfermaria de Fort Riley (Kansas), em 4 de março de 1918. Uma semana depois já haviam indícios do vírus no Queens (Nova York).

A Gripe Espanhola foi uma variação do vírus Influenza, causador da gripe comum. Uma segunda pandemia do mesmo vírus seria vista por nós em 2009, onde a sigla H1N1 ganhou mais notoriedade. Sim, o vírus da Gripe Espanhola também foi o H1N1, numa época em que a população mundial ainda não tinha imunização contra ele.

O vírus ganhou o mundo quando os soldados americanos, portadores e assintomáticos, embarcaram em navios com destino a Europa. As medidas de diagnóstico e isolamento vieram muito tarde em algumas regiões, causando um verdadeiro estrago, tando do lado social quanto econômico.

Da mesma forma que surgiu, a gripe perdeu a sua força no final de 1918, com os números de casos ficando cada vez menos frequentes. Alguns especialistas dizem que isso de deve ao vírus ter sofrido mutações que o deixaram menos letal, já que os hospedeiros da primeira variante, acabavam morrendo no processo.

E por que Gripe Espanhola? Bom, na época de Guerra, com medo criar o pânico entre as pessoas e desmotivar os soldados, muito da informação sobre a doença foi censurado pelos países participantes. Porém, como a Espanha não participava da guerra, não havia censura em seus meios de comunicação e ela acabou virando a referência em divulgações sobre a doença.

Nova Gripe A

Também conhecida como Gripe Suína, Gripe Mexicana ou apenas Gripe A, ela veio em 2009 e como eu mencionei antes, ela é uma nova variação (ou cepa) do Influenza H1N1 de 1918.

Panorama mundial da Gripe A no final de 2009. | Fonte: Wikipedia.

Um detalhe que chama atenção aqui é o fato de que essa variante havia sido erradicada, ou pelo menos assim se pensava. Amostras do vírus só existiam em laboratório e ao que tudo indica, em algum momento dos anos 70 ele foi reintroduzido. Conspiração? Talvez.

O paciente zero foi o menino Edgar Hernandez (de 5 anos), morador de La Gloria, distrito de Perote que fica cerca de 10 km da criação de porcos das granjas Carroll, subsidiária da Smithfield Foods, e 250 km a leste da Cidade do México. Ele foi diagnosticado em março, em 25 de abril a OMS alertava para “Emergência de Saúde Pública de Âmbito Internacional” e no dia 29 ela elevou para 5 o nível de alerta, pois já haviam relatos de transmissão entre pessoas.

Assim a Gripe Espanhola, não demorou muito para que a nova gripe ganhasse o mundo. Porém, desta vez, parte da população humana já se encontrava com alguma imunização, mesmo que em menor grau. Uma vacina também não demorou muito para aparecer, sendo que as primeiras amostras vieram em outubro do mesmo ano.

Outro diferencial, foi o fato de algumas medicações já existentes se mostraram eficazes no combate ao vírus. O H1N1 se mostrou sensível aos compostos zanamivir e oseltamivir, sendo que este último ficou muito popular no Brasil, conhecido pelo seu nome comercial, Tamiflu.

Os números de óbitos oficiais são de 18,5 mil pessoas ao redor do mundo, mas em função do novo coronavírus, novos estudos de revisão estão sendo feitos. Alguns estudos já estimam que esse número esteja entre 151,7 mil e 575,4 mil.

Medidas de controle

Conforme a doença avança, as medidas de controle vão ficando extremas. | Fonte: BBC News

Olhando o cenário em que cada pandemia (ou epidemia) se desenrolou, é possível notar que alguns padrões de comportamento se mantiveram ao longo da história. Na tentativa de controlar a disseminação, o isolamento entre as pessoas parece ser uma peça importante no início do combate a doença.

Muitos estudos mostraram uma queda significativa no número de casos (novos ou reincidentes) quando respeitadas essas medidas. O tempo de duração do isolamento varia de local para local e depende também de outros componentes, geralmente sócio-econômicos e políticos.

Além disso, surgem novos hábitos na população em decorrência das novas medidas sanitárias. O uso de máscaras e luvas pode ser visto como um exemplo disso. Porém, outros hábitos menos evidentes também puderam ser percebidos como mudanças no consumo de alimentos em geral e até mesmo o comparecimento a alguns lugares no país.

Medicamentos e Vacinas

Outro ponto a se observar é que, na maioria das vezes, o desenvolvimento de uma cura é algo extremamente demorado. A exemplo disso, tanto a SARS-CoV (Síndrome Respiratória Aguda Grave) quanto a MERS-CoV (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) seguem sem vacina conhecida. Os medicamentos desenvolvidos servem apenas para o chamado, tratamento de suporte, ao paciente.

O Brasil é referência em mundial em vacinação (apesar das aparências) e também é autossuficiente na produção de imunobiológicos, fabricados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, e pelo Instituto Butantan, em São Paulo.

O complexo processo de fabricação pode variar de vacina para vacina, depende de pesquisas e estudos realizados sobre as mesmas e ainda precisa levar em consideração a tecnologia necessária a sua fabricação. A vacina contra a gripe, por exemplo, começa a ser elaborada cerca de 18 meses antes da entrega das primeiras doses e a sua fabricação leva em torno de 9 meses.

Uso em Jogo

Certo, agora que você já sabe um pouco mais sobre pandemias, medidas preventivas e produção de uma cura/vacina, como você pode utilizar isso em sua sessão de jogo?

Separei 4 temas que seriam bons plots para aventuras (na minha opinião). Elas servem tanto para aventuras one-shot (aventuras de uma tarde) quanto para pequenas campanhas com 3 a 4 aventuras interligadas.

Em busca do paciente zero

Esteja preparado para fortes emoções ao buscar a origem da pandemia. | Fonte: BBC News

Em todos os casos, sempre há um paciente que deu origem a tudo, o primeiro indivíduo a se contaminar ou ser contaminado. A busca por essa pessoa pode ser a chave que falta para o desenvolvimento de uma cura ou para entender um padrão de dispersão, por exemplo.

Uma aventura com cunho investigativo casa muito bem com esse tipo de situação, onde os personagens precisam viajar muito em busca de informações.

Imagine que os primeiros casos são em locais próximos aos jogadores. Em seguida eles descobrem que algumas dessas pessoas vieram ou estavam em outro local, quem sabe até mesmo em outra cidade/província/estado/reino/país.

Nesse outro local, os jogadores descobrem que essa pessoa (ou grupo de pessoas) estava envolvido em algo ilegal, como contrabando de obras de arte, por exemplo. Então aqui você tem o primeiro desdobramento da aventura. Enquanto buscam por indícios da contaminação, os jogadores também precisam se infiltrar no esquema para conseguir informações ou até mesmo impedir alguns crimes.

A história vai avançar mais um pouco, levando os jogadores a outras regiões até encontrarem o local de início do contágio, que pode já estar fechado, com entrada somente mediante a autorização, quem sabe?

E por último a descoberta do paciente zero. O fluxo pode ser simples como achar um endereço, seguir pra lá e encontrar a pessoa, como também pode ter várias camadas interligadas. Um exemplo disso talvez seja o fato do indivíduo já estar morto e necessitar de uma autópsia ou ainda uma autorização para que determinando procedimento seja feito.

Se o final vai ser feliz ou não, só cabe ao mestre decidir.

Vírus de Laboratório

E se Ethan Hunt estivesse buscando outra coisa em suas missões? | Fonte: Divulgação.

O clássico vírus criado em laboratório aparece aqui. Esse tipo de aventura ou campanha pode se iniciar de várias formas. Talvez os jogadores tem sido contratados para roubar esse vírus e acabam acidentalmente liberando ele. Os jogadores também podem ser enganados, achando que estão buscando uma vacina, quando na verdade estão resgatando um vírus mortal.

O oposto também pode ser usando, com os jogadores tentando impedir um roubo que pode ou não já estar em andamento. Os filmes da série Missão Impossível são muito bons para inspiração com esse tipo de abordagem.

Acredito que este tipo de aventura seja mais adequada para one-shot. Eu mesmo tenho uma aventura que costumo usar em eventos ou para apresentar o RPG para novas jogadores. O fluxo é mais ou menos linear e segue a seguinte estrutura:

  • Os jogadores recebem a missão através de um contato ou informante;
  • Sofrem um contra tempo, geralmente um ataque surpresa, mostrando que há mais pessoas interessadas;
  • Fazem os preparativos para a missão, ou melhor, invasão ao laboratório;
  • Percorrem as salas do laboratório, um mapa com 10 cômodos que sempre carrego comigo;
  • Vencem os desafios do laboratório (armadilhas, guardas e monstros);
  • Marcam o local e entregam o objeto do contrato.

Claro que nem sempre as coisas saem como o esperado, mas em linhas gerais essa seria uma típica aventura de missão de invasão. Os efeitos do vírus, seu poder de destruição e/ou contaminação podem ser usados pelo mestre como pano de fundo, dando a devia importância e peso a missão.

Contra o tempo

Todos infectados, um bom plot para uma aventura “one shot”. | Fonte: Pinterest.

Um outro tipo de aventura que gosto também é quando os personagens precisam enfrentar um inimigo intangível, o tempo. Nessa abordagem, os personagens estão infectados e precisam buscar uma cura ou morrem. Uma variação dessa aventura coloca algum familiar ou amigo próximo como alvo da infeção. Porém, dependendo do grupo, essa situação não tem muito sucesso. Já tive jogadores que simplesmente não se importaram com o fato da família inteira estar doente (vai entender!).

A maior dificuldade está na administração do tempo que resta aos jogadores. Dificilmente eu coloco alguma regra pra isso, deixando tudo de maneira mais implícita e com o tempo de alguns dias. Assim fica mais fácil controlar as ações dos jogadores.

Outra coisa que costumo fazer também é colocar os personagens sem memórias dos últimos acontecimentos, deixando o tom de mistério no ar. Geralmente eles acordam todos juntos  ou pelo menos no mesmo local, tipo uma casa ou um hotel. Também forneço algumas pistas iniciais para que eles possam ter opções de onde começar a aventura.

Geralmente a linha da aventura segue mais ou menos essa trilha:

  • Descobrir várias informações;
  • Ser perseguido;
  • Encontrar outros como ele, mas em situação pior (internado em sanatórios ou vivendo nas ruas, por exemplo);
  • Tentar provar que foi vítima de uma conspiração ou similar;
  • Falar na tentativa anterior;
  • Receber uma ajuda inesperada;
  • Ser confrontado ou confrontar aqueles que fizeram tudo acontecer.

O desfecho aqui também pode ser algo bom ou ruim, dependendo do clima que se quer criar ou como estão os ânimos dos jogadores ao final da partida. Já tive jogadores que receberam a cura e foram “dispensados”, assim como já tive jogadores onde todos acabaram ferrados. Novamente, o nível de maturidade do seu grupo vai dizer como o mestre pode conduzir as coisas.

A Vacina

A busca pela cura é um plot clássico de filmes e seriados. | Fonte: Pinterest.

Nesse modelo, a pandemia pode já ter se instaurado e começado a mostrar os seus efeitos, sejam eles sociais, econômicos ou qualquer outra coisa. A busca por uma vacina, ou melhor, pelos ingredientes dela é que são o objetivo desse jogo.

Por ingredientes, considere um pouco de tudo. Podem ser componentes químicos e biológicos, por exemplo; mas também pode ser uma determinada pessoa ou grupo de pessoas. Imagine que para chegar a uma cura você precise reunir um conjunto de cientistas, cujos experimentos e reputação não são muito bem vistos pela comunidade científica.

Quem é mais velho talvez se lembre do seriado Fringe, onde um dos protagonistas era um cientista muito a frente do seu tempo, mas como ética e teorias duvidosas. E onde estava esse cientista no ínicio do seriado? Internado em um manicômio!

A resposta para uma vacina também pode estar fora do nosso planeta, com uma aventura estilo Interstellar ou Armageddon (sim, aquele com o Bruce Willis e sua equipe de mineradores). No melhor estilo dos filmes de Hollywood, os jogadores “civis” são enviados junto com uma equipe de especialistas para captação de recursos no espaço, quem sabe em Marte ou Júpiter.

E novamente aqui o contexto da pandemia serve como pano de fundo para as motivações dos personagens ou da própria aventura.

Tudo junto e misturado

E por fim, você pode misturar tudo e criar um contexto mais logo (e até mais absurdo) para salvar toda a humanidade. Começando com a descoberta do paciente zero, roubando uma vacina da concorrência, descobrindo que ela não passava de uma jogada publicitária no final e ainda tendo que viajar para os confins do mundo (dentro ou fora dele) para montar uma cura, tudo isso antes que a sociedade sucumba e desapareça. Ufa!!!!

Lembre-se apenas de passar o tom de urgência que a aventura merece e quando os personagens empacarem em algum ponto, faça com que outros eventos ocorram e, se necessário, dê dicas sobre os próximos passos. O que não pode acontecer em aventuras desse estilo, ao meu ver, é o ritmo da narrativa ser lento.

Realidade ou Ficção

Para finalizar, o mestre precisa decidir qual será o tom da aventura ou campanha que irá conduzir. O foco será mais realista, baseado em fatos reais e locais existentes? Quais serão as verdadeiras consequências caso a pandemia atinja níveis críticos? Por mais que o mestre não vá usar essas informações diretamente em jogo, é sempre bom ter algo planejado, nem que seja uma ou duas linhas de texto.

Se as cosias forem para o lado da ficção, bom, aí o céu é o limite. Filmes como a saga Resident Evil e Guerra Mundial Z são bom exemplos de tudo pode (ou não) ser feito. E se você acha que apenas aventuras modernas poderiam dar certo com esse contexto, saiba que você pode estar ligeiramente enganado.

Uma praga ou doença mágica pode estar afligindo uma região ou todo um reino. Sua cura não pode ser alcançada por meios mágicos, talvez nem mesmo pelos Deuses daquele mundo. Com pequenos ajustes, todos os contextos apresentados podem ser usados em uma aventura medieval.

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Marcelo JK “Zamboman”

Jogador e Mestre de RPG desde a época em que os dinossauros caminhavam pela Terra. Fã de ficção científica, mestre de Star Wars Saga e mestre em tirar aventuras improvisadas da cartola.