Conselhos para um mestre iniciante de RPG
Algumas dicas para você que está começando a mestrar RPG, mas ainda tem dúvidas por onde começar.
Por: Ghost | 31/03/2020
Salve, salve, aventureiros!
Hoje temos um tema bem voltado para iniciantes. Uma coisa que noto pelas interwebs da vida (especialmente nos grupos de Facebook voltados para RPG) é que tem uma quantidade de gente bem grande querendo jogar, e tendo como maior dificuldade nem tanto encontrar grupo, mas sim o medo de começar a mestrar.
É um tipo de medo que causa um certo estranhamento na minha geração (os nascidos no começo da década de 80, ou final da de 70), e temos motivos para esse estranhamento. Mesmo assim, depois de muito tempo e muito “matutar” a respeito, entendi melhor esse medo, e estamos aqui para ajudar você, que quer começar a mestrar mas está inseguro, por qualquer motivo que seja.
Acredito que o principal motivo do conflito de gerações seja por que nos anos 90 não tínhamos muita alternativa. Alguém adquiria o livro, reunia os amigos e começa jogar, simples assim. Aqui ainda vale um adendo, pegamos o final da “geração xerox”, onde boa parte dos livros eram cópias em xerox e termo pirataria não era tão forte como atualmente. E me assusta perceber que mais uns 10 anos, esse termo não fará o menor sentido para quem começa a jogar.
Mas voltando ao tópico, quem era responsável por reunir o pessoal, na maioria das vezes, era a única pessoa que tinha um livro básico. Essa pessoa também assumia a tarefa de mestrar para o grupo. Aí, se desse sorte, outro membro do grupo se interessava o suficiente para comprar (ou apenas pegar emprestado) o livro básico e também começar a mestrar. Não raras foram as vezes que o grupo incentivava a aquisição de outro sistema, só para poder aumentar a diversidade de opções.
Usando o exemplo do meu grupo (que, a rigor, é basicamente o mesmo até hoje), eu mestrava D&D (GURPS, ocasionalmente), o Robertson (Mantsor) mestrava GURPS e Call of Cthulhu (ainda inédito no Brasil) e o Marcelo (Zamboman) preferia o sistema Trevas, que depois virou o sistema Daemon, ou qualquer outra maluquice que aparecesse. Apenas muito tempo depois esse “cenário”mudou um pouco, onde eu tenho me especializado mais em Call of Cthulhu e o Robertson em D&D.
O interessante é que essa dinâmica pareceu dar origem a uma característica que persistiu durante muito tempo (e talvez perdure até hoje): RPG é o ápice do nicho. Cada grupo desenvolve a sua maneira de jogar, e mudar de grupo nem sempre será algo fácil ou confortável (muitas vezes será como mudar de país. Você terá que se adaptar a uma cultura muito diferente, e talvez não consiga ficar). Isso sem entrar/mencionar a toxidade que alguns grupos de RPG tem.
Então, sem mais delongas, vamos às nossas dicas e como sempre, sem nenhuma ordem em especial.
1.Não glamourize a função
Esse parece ser o erro mais comum de quem conheceu o hobby e quer começar a jogar. A pessoa acha que, para ser Mestre de RPG, precisa ter mais experiência do que os demais ou ter jogado x anos como jogador antes ou ainda, conhecer profundamente todo o sistema.
Nada disso é verdade.
Para começar a mestrar RPG você só precisa de um conjunto de regras básicas (normalmente o livro básico de QUALQUER sistema) e um grupo de amigos disposto a conhecer o hobby. Absolutamente mais nada.
Como citamos ali em cima, a grande maioria dos grupos de RPG dos anos 80, 90 e 2000 foi criada exatamente assim.
O mestre tem mais responsabilidade que os outros jogadores (afinal, ele conduz a história e interpreta todos os NPCs), mas isso não quer dizer que ele precise de mais experiência. O grupo todo pode aprender junto. Inclusive você encontra isso em boa parte dos livros.
O que é necessário é apenas um conhecimento das regras básicas (mais sobre isso na dica a seguir) para poder ensinar os demais. Afinal, se todo mundo tiver que ficar consultando o livro básico durante a sessão, não será nem um pouco divertido. Pode apostar!
E não tenha medo de errar. Lembre-se, você estará entre amigos.
2. Conheça as regras básicas
Essa é uma dica bastante comum por aí.
Mas, o que exatamente, seriam as “regras básicas”?
Isso varia de sistema para sistema e varia bastante. Então vou tentar abranger bastante coisa por aqui. Talvez alguns desses pontos não se apliquem ao sistema que você está aprendendo. Nesse caso simplesmente ignore e siga em frente.
O que nós aqui no UniversoRPG chamamos de Regras Básicas:
- Sistema de criação de personagens. Classes de personagens, seus poderes e restrições, ao menos nos primeiros níveis. Ou as vantagens e desvantagens mais comuns no caso de sistemas que usam pontos para construção de personagens.
- Testes de Perícias (ou equivalentes). Em algum momento da aventura alguém tentará saltar de um prédio para outro, se balançar em uma corda sem cair, correr o suficiente para alcançar alguém perseguido (ou fugir de um perseguidor), etc… Esteja preparado para isso, e para algumas situações mais específicas, mas ainda comuns (como um personagem “competindo” com outro, o que geraria o que muitos sistemas chamam de “teste resistido”).
- Sistema de combate. Sim, a esmagadora maioria das partidas de RPG terá combate em algum momento. Não é necessário entrar nos pormenores, mas como mestre você precisa estar preparado para a pergunta: “Eu ataco ele. Como faço?”.
- O básico do sistema de magias (caso se aplique ao seu sistema). Elas funcionam como perícias? Ou mais ao estilo D&D (no qual a magia é gasta como se fosse munição)? É importante tanto dominar as magias mais básicas quanto o sistema de uso em si.
Para realmente dominar esse pontos tenho uma dica bem legal: construa alguns personagens. Ao menos um de cada classe ou conceito básico. Se for D&D, por exemplo, um guerreiro, um mago, um ladrão e um clérigo, todos no primeiro nível. Aliás, ainda melhor: se o seu grupo for ter X jogadores, 2X ou mesmo 3X personagens, de classes bem variadas (e os guarde! Serão muito úteis na dica a seguir).
Depois deles construídos, simule alguns combates entre esses personagens. E seja criativo. Não se limite a “esse aqui ataca aquele outro”. Tente dizer em voz alta mesmo, sem medo de se sentir maluco, como esse personagem está atacando, e como o outro (ou os outros) está reagindo. Depois faça o mesmo envolvendo alguns monstros mais fracos do sistema. Em D&D por exemplo, você pode usar Orcs, Goblins ou Kobolds (todos clássicos).
3. Use personagens prontos
Uma coisa que reparei ao longo dos anos é que muitos mestres novatos usam a primeira sessão de jogo para criar os personagens junto com os jogadores, em uma tentativa de já começar a familiarizar os amigos com as regras, e deixá-los mais íntimos dos personagens, além de supostamente fazer com que cada jogador já comece com um personagem que seja mais ou menos do seu agrado.
Outra coisa que reparei ao longo dos anos é que essa abordagem dificilmente funciona com novatos e tem mais sucesso com o pessoal mais veterano.
Sério.
Pare, respire, assimile a ideia e continue lendo, que vou explicar direitinho.
Quando os jogadores já são mais antigos, uma das partes legais é montar a ficha e discutir com grupo as possibilidades. Ou ainda, quando estão aprendendo um sistema novo, essa fórmula ajuda na compreensão das regras básicas.
Porém, se os jogadores são novos, a quantidade de informação nova é MUITO grande. Eles provavelmente terão dificuldades com todas as decisões que precisam ser tomadas. É claro, existem excessões.
E outra, vão chover inúmeras perguntas. “O que é destreza?”, pergunta um jogador. “Pra que serve Salvaguarda?!?”, pergunta outro, interrompendo sua resposta para o primeiro. “Qual a diferença entre um bruxo e um feiticeiro?”, pergunta um terceiro, interrompendo a todos. Acreditem, já passei por isso inúmeras vezes e logo a frustração começa a transparecer na cara das pessoas. E você acaba tendo que gerenciar muita coisa.
Contudo, se você já estiver com os personagens prontos, basta apresentar conceitos (classes, profissões, etc…) para os jogadores.
“Rudolph é um Paladino, um guerreiro abençoado por Ilmater – o deus da resistência. Kargrie é uma Patrulheira, especialista em arcos e que treina desde criança. Eric é um Bardo, ele usa música para motivar seus amigos em combate, além de usar algumas magias. Anorius é um mago iniciante, anda com seu livro de magias e procura por um mestre que possa ensinar novas magias”.
Com esse setup fica bem mais fácil de escolher. Entregue as fichas para os jogadores, e antes que comecem as perguntas, diga que eles não precisam se preocupar com nenhum daqueles números, por enquanto. Eles terão as dúvidas sanadas no devido tempo.
4. Não explique as regras
Essa dica é polêmica, mas você leu certo. Não tente explicar, nem mesmo fazer um overview das regras para os jogadores iniciantes. Fazer uma palestra com as regras só vai deixar o pessoal confuso.
Mas, então, qual a maneira correta de explicar como as mecânicas de jogo funcionam?
Minha resposta é: na hora em que forem necessárias. Simples assim. Não tem muito benefício em explicar como funciona um combate se os personagens não estiverem em um. Quando for necessário, aí sim, você explica as regras necessárias, regras essas que você já aprendeu bem enquanto fazia os personagens e simulava combate e uso de perícias/habilidades. Apresente as coisas na ordem em que forem necessárias, não antes.
Usando esse métodos os jogadores vão reter muito melhor as explicações, por que vão colocá-las em prática no mesmo momento em que estão tendo contato com elas.
Só tenha em mente que para esse método funcionar (e funciona muito bem! Vão por mim!) você precisa estar disposto a dizer muitos nãos para os seus jogadores, mas sempre na forma de “Calma. Você não precisa disso agora. Quando precisar nós conversaremos a respeito, tudo bem?”. E, também, você precisará estar muito bem familiarizado com os números dos personagens deles. Afinal, fica bem chato o grupo enfrentar criaturas de gelo, e o mestre esquecer de avisar que o mago tem acesso a bola de fogo, em uma situação na qual o jogador não tem muita condição de perceber isso.
Aqui entra uma dica bônus: guarde uma cópia da ficha dos personagens jogadores (ainda que simplificada). Eu faço isso até hoje, e vocês ficarão surpresos com o quão útil isso pode ser.
5. Use bem os jogadores veteranos
Aqui uma situação um pouco diferente. Às vezes acontece de você conhecer o hobby, se animar e juntar alguns amigos para jogar. Aí você descobre que um de seus amigos antigos, aquele recém-chegado à cidade que você conheceu há pouco tempo ou aquele novo colega de trabalho, jogou durante anos aquele mesmo sistema que você está começando a aprender e o pior, ele conhece o sistema muito bem. Só que ele não mestra, apenas joga. E agora?
Agora é o momento de – literalmente – combinar o jogo bem certinho. Converse com ele e peça ajuda antecipadamente. Avise que ele será seu “consultor de regras” durante a partida, e que ele tirará dúvidas sobre a mecânica.
E frise bem: sobre a mecânica. Não deixe que ele interfira na história. Isso por que alguns jogadores conhecem profundamente, não apenas as regras do sistema, mas também a ambientação (alguns livros básicos já incluem algum cenário de campanha para ajudar o mestre e jogadores iniciantes).
Se você tiver na mesa um monte de novatos e um veterano louco para exibir seus vastos conhecimentos sobre a geografia, história e política de Forgotten Realms (por exemplo), peça para ele pegar leve. Ninguém curte um cara palestrando a respeito da ambientação no meio da sessão de jogo. Combinem de conversar a respeito depois. Aí sim, pode ser bem interessante.
6. Não seja escravo dos dados
Aqui é rapidão, por que já temos um artigo inteiro a respeito. Não tenha medo de roubar o resultado dos dados para manter a história nos eixos. Simples assim.
Perco a conta das vezes que rolo o dado simplesmente para fazer barulho na mesa, decido se o resultado foi bom para a história ou não, e sigo narrando o que acho melhor naquele momento.
E lembre-se que em determinadas situações, você pode manipular até mesmo as jogadas dos jogadores. Basta não informar o resultado que eles precisam. Claro que se alguém ataca o Dragão-Rei e tira 1 no dado, você não vai conseguir manipular, mas para jogadas mais “cinzentas” você pode ter um bom trunfo nas mangas. Como exemplo “clássico” do nosso grupo, sempre temos aquele momento “… faça um teste de percepção, observar ou equivalente, por favor” e o mestre da vez não diz nada a respeito da dificuldade ou se realmente algo deveria ser “percebido” naquele momento. O teste acontece, para o bem da história.
7. Não. Tenha. Medo.
Essa deve ser a dica mais importante de todas.
RPG é um hobby para ser curtido ente amigos. Se você está começando a mestrar, cerque-se de pessoas que são exatamente isso para você. Amigos.
Lembre-se que eles estão junto com você. Eles tem que te ajudar a criar um ambiente confortável e saudável para todos vocês. Você não precisa (e não deveria) se sentir inseguro entre seus amigos.
Aqui mesmo no grupo tivemos uma situação dessas. Nossa queria Marina, autora aqui do blog também, mestrou uma aventura pronta de Hora de Aventura, publicada no Brasil pela Retropunk. Segundo o relato dela, foi uma das coisas mais difíceis e desafiadoras que ela já fez, afinal, ela estava mestrando para pessoas que tinham em média uns 8 ou 10 anos de experiência no RPG. O resultado? Dores na barriga de tanto rir e a única pergunta que restou foi: “quando é a nossa próxima sessão?”.
E mais uma dica bônus: se você não consegue de jeito nenhum montar um grupo com pessoas conhecidas, e vai se juntar a um grupo na internet, aí sim recomendo entrar em uma mesa como jogador primeiro. E mude de mesa quantas vezes precisar até você encontrar uma na qual sinta tranquilidade e segurança. Só depois se aventure pela tarefa de mestrar.
Henrik “Ghost” Chaves
Henrik “Ghost” Chaves é fã de D&D (mas acha que a edição 3.5 foi a melhor de todas) e de tudo relacionado aos Mitos de Cthulhu. Música (rock), literatura (fantástica), cinema (pipoca) e boardgames (modernos) estão entre seus outros hobbies.