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Baú do Mestre | Dicas

Como fazer suas próprias aventuras?

Dicas para você começar a criar suas próprias aventuras e surpreender seus jogadores na próxima sessão.


Por: Ghost | 03/02/2019

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Superando o Bloqueio Criativo – eBook

Salve, salve, aventureiros!!!

Hoje vamos com mais uma (ou mais algumas?) dica(s) daquelas para os mestres de plantão que querem fazer suas próprias aventuras ao invés de jogar material publicado.

1 – Por quê?

É uma pergunta básica, mas ainda assim bem pertinente. Que motivo o mestre teria para criar suas próprias aventuras ao invés de usar o farto material já publicado para seja-lá-qual-for-o-sistema-que-você-e-seu-grupo-de-RPG-jogam?

Felizmente no Brasil já temos várias opções de aventuras prontas para diversos sistemas. A Jambô Editora tem uma penca de aventuras prontas para o cenário de Tormenta RPG, mas que podem ser utilizadas facilmente com qualquer outro cenário de RPG Medieval. Você pode conferir os livros Só Aventuras Vol1Só Aventuras Vol2Só Aventuras Vol3Só Aventuras Vol4. Juntos, os livros trazem nada menos do que 14 aventuras!

Igualmente, no site da RetroPunk há uma quantidade imensa de cenários prontos para Rastro de Cthulhu, e para outros sistemas traduzidos pela editora (dê uma fuçada na loja! Vale bem a pena!).

Se inglês não é um problema, todo um mundo de possibilidades se abre. O Dungeon Masters Guild é uma fonte quase inesgotável de material, com diferentes graus de qualidade e preço (dá para ficar horas passeando pelo site).

Mesmo com todas essas opções, ainda assim você pode querer criar suas próprias aventuras para mestrar para seus jogadores. Seja para dar vazão ao ímpeto criativo que muitos (quase todos os) mestres de RPG tem, seja para garantir a qualidade na sua mesa (nem sempre as aventuras prontas serão do jeito que você quer), ou para ter certeza de que será um jogo livre de spoilers (vai que algum dos seus jogadores já leu “Curse of Strahd” e agora você tem que criar a sua própria história de horror gótico para D&D?).

Aventuras em Tormenta.

O mundo de Arton tem muitas aventuras. | Fonte: Divulgação.

2 – Como?

Já sabemos o motivo. Agora vem os meios. Como fazer a sua própria aventura? Vejamos os pontos importantes:

2.1 – O Gancho

Esse é o início da aventura. O ponto que vai pegar seus personagens e colocar eles dentro da história. Alguns clichês desse item:

  • O “velho da taverna” que fala sobre a lenda de um tesouro escondido próximo (esse é tão clássico que tem até um plot-twist também já clássico: o velho é um monstro disfarçado, impossibilitado magicamente de entrar na dungeon onde o tesouro se encontra, e deu a dica para os jogadores morderem, apenas para enfrentá-los ao final).
  • Kobolds/Goblins/Orcs atacando a vila dos personagens
  • Um dos personagens recebe uma casa (assombrada) de herança, mas só terá direito à propriedade se passar uma noite inteira lá.

Antes de mais nada, tenham em mente que clichês funcionam. Sim. Parece estranho falar isso, mas lembrem-se que nenhuma ideia nasce clichê. Elas se tornam, depois do uso constante e repetitivo (que acontece justamente por que são boas ideias).

Mas a menos que você esteja criando uma aventura do improviso, no susto (dica bônus: evite. Ao máximo. Sério.), tente fugir dessas ideias clássicas. Se possível reserve uma sessão para montar personagens junto com os jogadores, e chegue nela já com o “esqueleto” da aventura pensado. Pergunte sobre o background dos personagens, relações familiares, empregos que já tiveram, traumas de infância, profissão que possuem, os motivos que os levaram a seguir essa profissão (Opção? Falta dela?). Dessa conversa podem surgir muitas ideias para colocar os personagens na trama de forma que envolva o passado deles ou de outros personagens

  • Os Kobolds/Orcs/Goblins atacam a vila constantemente há anos? Contratados pelo comandante da guarda, que tem medo de perder emprego (ou o prestígio) e fez um acordo com as criaturas. Elas atacam de vez em quando, com poucos danos, e fogem (recebendo um pagamento por fora). O comandante da guarda pode ser pai/mãe ou mestre de um dos personagens.
  • Esqueça a herança. Um dos personagens recebe uma carta dizendo que um parente seu está internado em um manicômio há anos, e não há mais dinheiro para as contas. Os outros personagens são todos amigos da pessoa internada.
  • Esqueça o velho da taverna. Sério. Ninguém aguenta mais isso. Ele pode até existir, mas como uma figura folclórica, que ninguém leva a sério (muitos foram atrás de suas histórias e voltaram de mãos vazias). Guarde para uma aventura bem lá no futuro (ou esqueça de vez, mesmo).

Já temos algumas ideias de ganchos. Mas, e agora? Como prosseguir com o “corpo” da aventura?

2.2 – Desenvolvimento

Crie roteiros e não cenas de jogo.

Seja mais produtivo organizando suas ideias e seu mundo de jogo. | Fonte: HBO

O desenvolvimento da história tem alguns segredos também. Uma coisa que levo como mantra pessoal é:


Escreva um cenário, jamais um roteiro.


Mas… qual a diferença entre um cenário e um roteiro?

Um roteiro é uma história contando o que os personagens vão fazer e, pior ainda, em que ordem. Essa abordagem ignora completamente as duas leis mais básicas do RPG:

1 – Seus jogadores NUNCA farão o que você pensou que eles fariam.

2 – Seus jogadores farão algo que você pensou que eles nunca fariam. Ou pior, algo que você nunca pensou que eles poderiam fazer.

Um cenário por outro lado tem uma descrição de lugares, o que e quem está neles (e em que momento) e, muitas vezes, uma linha do tempo, indicando o que os NPCs vão fazer, de forma independente das ações dos jogadores, mas que pode ser afetada por elas.

Vejamos um exemplo rápido de desenvolvimento dos ganchos anteriores, no formato de roteiro e no formato de cenário:

  • Ataque dos Goblinóides (versão roteiro):
    • A vila está sendo atacada por goblins (ou o que quer que seja. Chamarei de goblins doravante. Você pode substituir até por Tarrasques, se quiser).
    • Os personagens, corajosamente, resolvem acabar com os ataques de uma vez por todas
    • Eles rastreiam os goblins até o seu esconderijo, dentro de uma caverna.
    • Eles lutam com os goblins sala após sala da dungeon, até chegar no líder. O resultado é alguns goblins em fuga, ou uma chacina completa.
    • Os personagens retornam à vila, para receberem os louros.

Tudo muito bom. Tudo muito legal. Mas, e se os personagens resolverem que querem um recompensa? Nesse caso o capitão-da-guarda não vai querer pagar nada, pois ele está de conluio com as criaturas. O Burgomestre? Talvez esteja disposto, mas o capitão vai manobrar para evitar isso, argumentando que ele tem mantido a vila segura ao longo dos anos.

Ou os jogadores podem sair feito doidos, logo após um ataque dos goblins, perseguindo-os sem fazer a devida preparação (comprar equipamento, etc…). Acreditem já vi muito isso. Ou, no meio do caminho, eles podem ter ideias absolutamente estapafúrdias, do tipo: “Goblins sempre se escondem em cavernas perto do rio! Vamos seguir rio acima até encontrar o covil!!!“, lascando completamente com o mapa que você desenhou (já vi isso também…).

Enfim, muita coisa pode sair errado e você se ver precisando improvisar um trecho imenso de uma aventura que você planejou com tanto cuidado….

Agora, vejamos a mesma aventura em versão cenário:

  • Ataque dos Goblinóides (versão cenário):
    • A vila está sendo atacada por goblins. Os ataques são constantes, embora não obedeçam nenhum padrão. Às vezes vários dias consecutivos, às vezes períodos de semanas ou meses da mais pura tranquilidade.
    • Acontece que o Capitão William, o Azul (apelido dado devido à cor de sua armadura) fez um trato com uma tribo de goblins há alguns anos. O trato é que os goblins ataquem, mas se retirem logo. Em troca William leva mantimentos para eles periodicamente (carne de caça, ou grãos). Além disso o capitão garante que os goblins fiquem com os poucos itens saqueados durante os ataques.
    • O Burgomestre não sabe do pacto, mas tem absoluta confiança no capitão.
    • Os goblins vivem em uma caverna alguns quilômetros a noroeste da vila (considerem meio dia de jornada), próximo à entrada de um vale.
    •  Uma clareira na floresta serve de acampamento para um grupo de bandidos. Eles não vão ficar ali por muito tempo, e nem pretendem passar pela vila dos personagens, mas espalharam algumas armadilhas de caça em volta (gerando o perigo de um dos personagens cair em uma delas). Claro, se os bandidos perceberem o grupo se aproximando do acampamento, podem montar uma emboscada (algumas moedas de ouro não fazem mal a ninguém, certo?).
    • Dentro da caverna onde os goblins habitam há pistas do envolvimento do capitão. Carcaças de animais perfuradas com flechas usadas pelas guarda (ou, simplesmente, sofisticadas demais para terem sido feitas por goblins). Algumas famílias vivendo de forma bastante tranquila, acostumadas ao suprimento constante de mantimentos, com talvez, um número de filhotes maior do que o normal. Isso já coloca uma questão moral interessante: como os jogadores vão tratar os filhotes?
    • O próximo ataque dos goblins será ao amanhecer do segundo dia após o início da aventura. Esse ataque acontecerá caso os jogadores ainda não tenham entrado na caverna dentro desse limite de tempo. Se eles optarem por entrar exatamente ao amanhecer do segundo dia, encontrarão os goblins de saída, mas plenamente preparados para a batalha.

Percebem a diferença? Na versão “cenário” não há nenhuma tentativa de prever o que os jogadores farão. Apenas descrições de lugares e de NPCs essenciais. Notem que ainda há muito espaço para colocar outros elementos (outros NPCs da vila, outros locais de interesse dentro da floresta, etc…). O ponto é: sem amarras.

Parece que não há muita diferença entre um e outro, mas o modelo mental é bem diferente. Se desde o planejamento você, como mestre, evitar prever os passos dos jogadores, menor será a tendência de você tentar guiá-los. E com um cenário bem planejado, será muito mais fácil improvisar quando seus jogadores agirem de forma inesperada (até por que, a rigor, não há uma forma esperada).

2.3 – As consequências

Lembre das consequências dos atos dos seus jogadores

Toda ação gera uma reação, lembre-se disto. | Fonte: Pinterest.

Essa é uma parte que muitos, mas MUITOS mestre esquecem. E é uma parte bastante importante para a coerência do mundo e/ou da campanha, e que se bem tratada ajuda pacas no gancho (ou mesmo desenvolvimento) para as próximas aventuras.

Os jogadores conseguiram descobrir o envolvimento do capitão-da-guarda? Se sim, eles pretendem contar a alguém (ou confrontá-lo de alguma maneira?)? Nesse momento o vínculo de parentesco ou mestre/aluno coloca um conflito bastante interessante. Caso eles contem ao burgomestre (e tenham como provar) o capitão pode ser dispensado ou mesmo levado à justiça (Prisão? Exílio?). Percebam o gancho em potencial para uma outra aventura, envolvendo resgate e redenção.

Lembram que a caverna dos goblins ficava na entrada de um vale? E se a presença deles ali impedisse o estabelecimento de uma rota de comércio com uma outra vila, do outro lado do vale? E se essa vila tiver uma característica cultural completamente diferente do local de origem dos personagens? Talvez do lado dos personagens a criação (e abate) de ovelhas (ou outro animal) seja algo fundamental para a sobrevivência, com os animais fornecendo carne, gordura e peles. E se do outro lado do vale ovelhas forem animais sagrados que não podem ser molestados de forma alguma? Com a possibilidade de contato entre os dois lugares podem ocorrer uma série de incidentes diplomáticos, que podem até mesmo culminar com uma guerra.

No nosso exemplo usamos goblins, mas a presença de um dragão pode manter dois reinos sem contato um com o outro durante séculos. Magias como Terremoto podem alterar a geografia de uma região (especialmente se ela já for instável). Magias de controle do clima podem estragar (ou salvar) plantações inteiras, trazendo fome para toda uma região (ou salvando a região da fome).

No caso da aventura do parente preso no hospital psiquiátrico, uma série de outras coisas podem acontecer. É muito comum que personagens, em cenários modernos, terminem por entrar em combate com NPCs, inclusive com mortes. Se os personagens jogadores matarem alguém durante o curso dos acontecimentos, a polícia irá investigar. Qual será a reação? Alegar legítima defesa? Tentar se esconder e fingir que não tem nada com isso? Nesse caso um NPC recorrente bem interessante é o comissário de polícia (ou equivalente), que pode perseguir os jogadores ou ajudar a acobertá-los, conforme as atitudes dos personagens.

Pensar nas consequências das aventuras é um enorme diferencial entre mestres medianos e aqueles realmente bons. Você não precisa trazer todas as consequências dentro da mesma sessão. Tome nota de tudo que achar pertinente e, quando for elaborar a próxima sessão de jogo, não esqueça de revisitar essas anotações s transforme elas em ganhos ou plots. Garanto que os seus jogadores vão se surpreender quando encontrarem algum NPC antigo pelo caminho.

Por hoje é só, aventureiros!! E vocês? Tem alguma dica para criar as próprias aventuras? Deixem aí nos comentários!

Henrik “Ghost” Chaves

Henrik “Ghost” Chaves é fã de D&D (mas acha que a edição 3.5 foi a melhor de todas) e de tudo relacionado aos Mitos de Cthulhu. Música (rock), literatura (fantástica), cinema (pipoca) e boardgames (modernos) estão entre seus outros hobbies.