Cthulhu: O Chamado x O Rastro
Conheça um pouco da história desses 2 sistemas e tire suas dúvidas sobre as diferenças entre eles.
Por: Ghost | 16/02/2017
Nós brasileiros não temos muito do que reclamar em termos de RPG de horror. Se no início dos anos 90 a única opção era “Vampiro: A Máscara” (e aqui cabe toda uma discussão sobre se realmente se trata de um RPG de horror) hoje temos versão nacional de:
- Terra Devastada
- Abismo Infinito
- Shotgun Diaries
- Vampiro: o Requiem
- Lobisomem: os Destituídos
- Ravenloft
- Deadlands
- Accursed
- Este Corpo Mortal
- Quase toda a linha da editora Daemon
- Rastro de Cthulhu
- Chamado de Cthulhu
É sobre os dois últimos que falaremos hoje.
Tanto Rastro quanto Chamado de Cthulhu tem como pano de fundo a obra de H.P. Lovecraft (e uma série de outros escritores. O termo “Mitos de Cthulhu”, inclusive, foi utilizado pela primeira vez após o falecimento de Lovecraft, mas isso é história para outro dia). Em ambos os sistemas os jogadores interpretam não aventureiros, mas investigadores, pessoas comuns que se veem enfrentando cultos ancestrais, criaturas quase tão antigas quanto o próprio universo e uma loucura sem fim, da qual eles não tem como escapar (no máximo adiar a queda).
Mas então, os dois sistemas são iguais? Veremos que não.
O Chamado de Cthulhu – O Clássico Iconoclasta
A primeira edição de O Chamado de Cthulhu (“Call of Cthulhu”) foi publicada em 1981 pela então pequena editora Chaosium. Era uma época muito diferente de hoje. Em todos os RPGs que estavam sendo publicados praticamente só se encontrava cenários de fantasia medieval (um ou outro de ficção científica), e sempre com a mecânica mate-o-monstro-fique-mais-forte-mate-monstros-mais-fortes-repita-o-ciclo. CdC foi o primeiro a quebrar essa tradição. Aqui seu personagem até evolui, no sentido de melhorar suas perícias e habilidades, mas ele não fica mais difícil de matar e não ganha mais pontos de vida. Os investigadores ganham mais conhecimento sobre os Mitos de Cthulhu e, com isso, se tornam cada vez mais próximos da loucura total, precisando ser aposentados quando isso acontece.
Os personagens de CdC possuem 9 atributos principais (Força, Constituição, Tamanho, Destreza, Aparência, Sanidade, Inteligência, Força de Vontade e Educação) e mais três secundários (Ideia, Sorte e Saber, todos derivados dos atributos principais).
Nem todos os atributos são gerados da mesma maneira. Para alguns rola-se 3d6, outros 2d6+6 ou 4d6 e aí já aparece o primeiro sinal de idade do sistema: essa mecânica de rolar dados para determinar atributos é bem típica dos RPGs de “primeira geração”, que deixavam algo tão importante nas mão de números semi-aleatórios.
Com base em seus escores de Inteligência e Educação o personagem recebe um determinado número de pontos para distribuir entre suas perícias profissionais (ligadas à ocupação do personagem, e listadas entre os arquétipos disponíveis no livro, mas que podem ser adaptadas conforme acordo entre mestre e jogador, e mesmo novos arquétipos podem ser criados) e perícias gerais.
Após esses passos (atributos, ocupação, perícias) o personagem está “mais ou menos” pronto. Os testes são quase todos resolvidos com rolagens de d% contra o valor da perícia, ou o valor do atributo multiplicado por um fator adequado, conforme a dificuldade da façanha).
Uma das perícias mais importantes, “Mitos de Cthulhu” não pode ser adquirida durante a criação do personagem, apenas evoluída o longo dos cenários, à custa da leitura de tomos profanos e encontros com criaturas de horror indizível. Isso faz parte do clima da ambientação, já que os personagens começam 100% ignorantes sobre a realidade oculta por trás do manto.
Rastro de Cthulhu – Mais moderno e enxuto
Rastro de Cthulhu foi escrito por Kenneth Hite (um grande fã de “Chamado de Cthulhu”) e publicado pela primeira vez, em inglês, em março de 2008 pela Pelgrane Press.
O jogo utiliza o sistema GUMSHOE, e a planilha é brutalmente mais simples: apenas três atributos (Sanidade, Estabilidade e Vitalidade). TODO o restante é feito com testes de perícias.
Em RdC as perícias são divididas entre “Perícias Investigativas” e “Perícias Gerais”, e usa-se pontos separados em cada uma delas. Todos os testes são resolvidos rolando-se 1d6 contra um número-alvo determinado pelo mestre.
Exemplo: um personagem em uma perseguição de automóveis precisa rolar “Condução” para não perder o controle. O personagem possui 5 pontos nessa perícia, e o mestre determina uma dificuldade de 8, já que se trata de uma perseguição em ruas estreitas e curvas fechadas. O jogador rola do dado e obtém um “4”. 4 (resultado do dado) + 5 (valor da perícia) = 9 (maior que o número-alvo, indicando sucesso). Não foi dessa vez que a perseguição resultou em um acidente. O mestre determina uma dificuldade de 8 para a rolagem, já que se trata de uma perseguição em ruas estreitas e com curvas fechadas. O jogador, que possui 5 pontos na perícia, decide gastar 3 para aumentar sua chance de sucesso e rola o dado, obtendo um 5. O resultado do teste é 8 (3 pontos gastos, mais 5 do dado). Não foi dessa vez que a perseguição resultou em acidente. Até ter uma oportunidade de recuperação o jogador terá apenas mais 2 pontos nessa perícia.
** Agradecimento ao nosso leitor Eduardo, que notou uma mancada no nosso exemplo. Corrigido.**
A parte mais interessante do sistema, entretanto, não é a mecânica de testes, mas sim a mecânica que os dispensa. O conjunto de regras foi desenhado exatamente para jogos de investigação, e considera que a obtenção das pistas não deveria depender de rolagens de dados.
Dessa forma se o jogador tem motivos para acreditar que o personagem está em um ambiente no qual uma pista pode ser obtida ele gasta um ponto de perícia investigativa para obtê-la automaticamente.
O investigador está revistando o escritório do professor de arqueologia que desapareceu em uma expedição. Como o jogador tem bons motivos para acreditar que há uma pista útil aqui ele declara que vai gastar um ponto da perícia “Coletar Evidência” para revistar o escritório. O mestre declara que o personagem percebeu que havia um bloco de anotações em branco sobre a mesa. Uma rápida passada suave com um lápis por cima revela um endereço. Provavelmente o professor passou lá antes de sumir.
Conclusão
Ambos os sistemas apresentam vantagens e desvantagens. O Chamado de Cthulhu padece um pouco pela idade, mas trata-se de um sistema mais abrangente, que prevê mais situações e depende menos de experiência e improviso, ainda que aparente ser mais “engessado”. Dessa forma, é mais adequado a principiantes (tanto mestres quanto jogadores).
Já Rastro de Cthulhu é um sistema mais “aberto”, mais livre. A sua mecânica de não-testes, baseada no princípio corretíssimo de que a investigação não deve depender de rolada de dados torna a sessão mais ágil (e facilita um pouco para o mestre de jogo), mas ao contrário do que o bom senso pode indicar em um primeiro momento isso não funciona muito bem com jogadores iniciantes. A tendência é que eles não declarem o uso da perícia relevante, e terminem perdendo a pista simplesmente por uma espécie de distração do jogador. Vale a ressalva de que grupos veteranos também podem levar um tempo para se adaptar a esse tipo de regra, mas uma vez acostumados, a diversão da sessão é redobrada.
O Chamado de Cthulhu é vendido no Brasil pela editora Terra Incógnita, já Rastro de Cthulhu é comercializado pela Retropunk.
Henrik “Ghost” Chaves
Henrik “Ghost” Chaves é fã de D&D (mas acha que a edição 3.5 foi a melhor de todas) e de tudo relacionado aos Mitos de Cthulhu. Música (rock), literatura (fantástica), cinema (pipoca) e boardgames (modernos) estão entre seus outros hobbies.