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Do Além | Contos

Uma Breve História dos Vampiros

A origem dos vampiros segundo eles mesmos conforme um Antigo, em Vampiro, a Máscara.


Por: nestokun | 23/08/2017

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Mestre RPG

Bem vindo. Sente-se. Vamos fazer um exercício de imaginação? Quem joga Vampiro já deve ter ouvido várias histórias sobre as origens dos vampiros, Cain e Abel, etc. Porém, para quem está começando, tudo isso ainda pode ser novidade.

Um dos pontos fortes do sistema Storyteller é o seu foco na narrativa da história (não é à toa que aqui o “Mestre” é chamado de Narrador). Com isso em mente, escrevi um mini-conto que pode tanto ser lido para um jogador como pode ser “narrado” dentro da campanha. Assim, ao invés de explicar a origem dos vampiros e algumas coisas sobre a sociedade vampírica do jogo, você pode introduzir esse conto como um encontro realmente, incorporando ele ao seu mundo de jogo e sua campanha.

O Estranho Visitante

Você,  um jovem vampiro recém introduzido na sociedade vampírica, conhece apenas aquilo que seu Senhor – o vampiro que te abraçou – contou para você. Porém, certa noite, tão logo você acordou ao pôr do sol, dois capangas de tremenda força estavam te esperando na saída de seu refúgio. Eles desejam te levar para algum lugar, e não aceitam um não como resposta.

A noite está apenas em seu começo quando dois homens entraram na cobertura bem iluminada pelas luzes fortes de Led, cada um deles segurando um dos braços de um terceiro. Entre os seus condutores você parece pequeno, mesmo sendo alto pelos padrões da sociedade atual. Suas roupas finas e impecáveis, todas feitas sob medida na cor negra, apenas contrastam com a palidez de seu rosto bonito e perfeito, que exala confiança. Mas confiança não é uma mercadoria fácil de se conseguir, devido a situação atual. Você foi conduzido até uma cadeira confortável no centro da sala, cujas janelas de parede inteira permitiam a vista dos prédios ao redor, todos eles com mais de trinta andares, e ainda assim mais baixos do que a sala onde você está.

Uma voz chegou aos seus ouvidos assim que os dois seguranças que o acompanharam saíram do aposento. Uma voz antiga, poderosa, carregada de conhecimento e perigo. De onde esta voz vem, você não consegue ter certeza. Mas um calafrio percorreu sua espinha, algo que você não é mais acostumado a sentir a anos e anos.

– Eu sei que você tem feito diversas perguntas no Elísio do museu de arte, jovem. Não adianta negar, existem testemunhos pessoais e eletrônicos de suas conversas. Posso ver por sua expressão que está surpreso, seja por eu saber de suas indiscrições, seja pelo fato de que tenho o Elísio mais badalado do Príncipe sob vigilância eletrônica. Que posso lhe dizer? Informação é poder. E eu desejo ambos em grandes quantidades.

Você busca pela sala com os olhos, tentando localizar a fonte daquela voz tão assustadoramente antiga, mas nada encontra. Invocando os poderes do sangue, você ativa a Disciplina – ou poder, como seu Senhor costuma chamar – que permite ver além do que está diante de seus olhos. Diante de uma das janelas você então discerne uma espécie de névoa, uma escuridão. Mas não consegue ver nada dentro dela além de um par de olhos vermelhos, refletidos pela janela.

– Sei quem você é, meu pequeno espião, e sei a quem você responde. Mas acalme-se, mantenha sua Besta sob controle. Não o convoquei aqui para lhe punir. Apesar de sua seita nos odiar, eu percebi certo… potencial em você. Suas perguntas foram feitas para desequilibrar nossos jovens, mas elas são excelentes perguntas. Eu acredito que possa lhe responder algumas delas. O que fará com tais informações não me interessa, eu não me apego a esta era decadente e, como os humanos falam, “líquida”. Meu interesse é saber o que contar a verdade para você causará ao futuro. Eu vejo o futuro, entende? Posso prever bem suas correntes pois conheço o passado. E é este passado que lhe desperta curiosidade.

Oras, me responda: o que somos nós, senão lendas?

– O que seus senhores lhe contaram sobre nossas origens? Sei que eles negam quase toda a verdade, chamando-a de lendas, absurdos. Não… este é um mal de sua geração, compreende? Vocês acreditam que a falta de crenças traz iluminação intelectual. Que todas as antigas tradições são apenas lendas e mentiras, criadas para controlar e turvar a razão. “O ópio do povo”, não é? Interessante. Seria interessante se você lesse o texto completo onde esta frase aparece. Mas estou divagando, me perdoe. É um hábito dos mais velhos divagar pelas névoas de suas mentes.

Contra a sua vontade seu interesse desperta. A sala é silenciosa e limpa, e agora que a noite avança as luzes da cidade encontram seu caminho para dentro de forma bela, quase uma obra de arte em arquitetura. Alguns livros antigos estão sobre uma pequena mesa, próximo de onde você está.

– Nossa origem é antiga, jovem. E mais ligada com aquilo que você chamou de superstições tolas do que você ousaria sonhar. Estudo o Livro de Nod, entre outros. Encontrei fragmentos escritos por nossos progenitores, entende? Seres que vagavam pelo mundo antes do dilúvio bíblico. Justo, afinal surgimos logo depois do primeiro casal ser expulso do paraíso. Adão e Eva, pais dos primeiros humanos, Abel, Caim e Set. Como? As escrituras do povo judeu só possuem lendas? Tolices religiosas? Superstições? Oras, me responda: o que somos nós, senão lendas? Eu o trouxe aqui para a verdade, quer você concorde com ela, quer não. É bom me ouvir sem me interromper.

– Após serem expulsos do Éden, o primeiro casal teve filhos. E estes cresceram e se multiplicaram, chegando aos bilhões que temos hoje. Vejo que as escrituras são um assunto difícil para vocês, jovens, então me permita dizer apenas que o primeiro livro das escrituras é o Gênese, que conta a origem dos humanos. É no mínimo condizente que lá tenhamos também a nossa origem, não é? Uma pena que nossa existência seja um segredo tão protegido. Creio que nossos contatos se responsabilizaram por purgar qualquer menção de nossa origem dos textos no vaticano. Apócrifos, pode ter certeza.

– Entretanto o motivo está lá, escrito no Gênese. Quarto capítulo, oitavo versículo. Movido pela inveja e ressentimento, Caim se tornou o primeiro assassino da humanidade, e Abel foi o primeiro humano a morrer. Caim então foi punido pelo próprio Jeová, marcado e banido. Segundo o Gênese, ele não obteria mais alimento da terra ‘que se abriu para beber o sangue de seu irmão’.

A sombra se volta para você, e a criatura que fala começa a se revelar diante de seus olhos. Fica claro que ela possui a Disciplina do desaparecimento, que seu Senhor chama Ofuscação, embora seja óbvio que a voz não pertence a um dos horríveis Nosferatu. Sua atenção fica dividida entre a figura que se revela lentamente, e a história que ela desfia diante de ti.

Uriel veio até ele. O próprio Anjo da Morte

– Mas isso não é tudo. Caim foi marcado para sofrer pela eternidade, condenado a viver sozinho até o dia em que se arrependesse pelo seu crime. Após expulsar Caim, Jeová ainda enviou três anjos para Caim, oferecendo ‘redenção’ na forma de uma morte piedosa. Mas Caim renegou a piedade oferecida, sendo três vezes amaldiçoado.

– Miguel, o portador das Chamas Sagradas dos Céus, oferece redenção e é rechaçado. Ele então amaldiçoa Caim e sua descendência com o temor ao fogo, pois o fogo devorará nossa carne e nossa alma. Raphael, o Guia do Sol, recebeu a negativa de Caim amaldiçoando a ele e sua progênie com o temor à luz do sol, que nos destrói sem deixar vestígios. Por fim, cansado das negativas de Caim, Uriel veio até ele. O próprio Anjo da Morte. Caim o mandou voltar de onde veio, e Uriel condenou Caim a sobreviver apenas com o sangue dos vivos.

Os olhos ainda vermelhos na sombra desvanecente se inflamam com emoção, e seu coração morto por um instante bate em seu peito diante daquele olhar.

– Caim vagou pela terra, oculto do dia e sobrevivendo da morte de outros. Encontrou a primeira esposa de Adão – sim, Eva não foi a primeira. Eu não lhe disse? Aquele que vocês jovens chamam de Velho Testamento é um livro Judaico. Use a lógica: como um livro poderia ser Cristão se foi escrito antes do nascimento do Cristo? E as escrituras judaicas falam dela, Lilith, a primeira esposa de Adão, banida do Éden pela desobediência, por não se subjugar ao marido. Lilith ensinou Caim a usar o poder da maldição em benefício próprio, criando as disciplinas. Ensinou Caim a contagiar outros com seu sangue, e criar outros como ele. E ainda que tenha sido proibido de o fazer por jeová, Caim criou três filhos, que criaram outros, progenitores dos treze Clãs. Mas Caim havia sido avisado: se ele conseguisse companhia, ele seria traído por ela. Não deveria haver nenhum tipo de que traíram e destruíram seus pais e foram abandonados por Caim. Iniciando uma guerra, que se arrasta até os dias de hoje. Sabá e Camarilla são apenas as novas faces de uma batalha mais antiga do que você imagina.

– Se você acredita ou não, não me interessa. Mas somos conhecidos por Cainitas até os dias de hoje, não somos? Tememos o fogo e a luz do sol, que nos causam ferimentos terríveis nesta carne que ignora todas as outras formas de dano. E nosso sustento vem do sangue, a marca do assassino. Pergunte aos seus mestres, se quiser. Mas não espere respostas, espere a destruição. Eles sabem a verdade, mas a temem. Eu não.

A névoa desaparece completamente, deixando seu interlocutor plenamente visível. Por um instante você não acredita em seus olhos, mas logo em seguida se controla. Aparências são traiçoeiras entre os Membros.

– Agora vá e pense um pouco, jovem. Se desejar saber mais, volte alguma outra noite.

Você se levanta, confuso com o que ouviu. O vampiro que falou contigo é obviamente antigo e poderoso, possuidor de conhecimentos perdidos no tempo. Ainda que externamente ele parecesse apenas uma pequena garota, não mais do que dez, doze anos, você tem certeza de que ela poderia dizimar todos os vampiros da cidade, se desejasse. E as coisas que ela falou, ainda que contradizendo toda sua lógica – e a lógica fria de seu Senhor – possuíam uma força inegável. Tremendo pela primeira vez desde que abandonou sua casca mortal para trás, você pensa que seria melhor retornar para seu refúgio mais cedo naquela noite.

De uma coisa você tem certeza: você vai voltar para saber mais.

Até a próxima.
Bom jogo para vocês!

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Ernesto Luis “Nestokun” Grando

Ernesto Luis “Nestokun” Grando é Curitibano de nascença e moradia. Apaixonado por seu casal de gatos, livros (especialmente fantasia, ficção científica e terror), já leu – literalmente – milhares de títulos e é um RPGista natural. Narrador de Vampiro, Cthulhu e D&D, divide seu tempo entre mesas de RPG, livros, games (eletrônicos e de mesa) e, fazer o quê… trabalhar, cuidar da casa e viver.